12/05/2020

DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO PROF. DR. EDUARDO DE ARAÚJO CARNEIRO - Cadeira 38



Discurso de Posse
Acadêmico Eduardo de Araújo Carneiro - Cadeira 38

Digníssima Presidente da Academia Acreana de Letras

SENHORAS E SENHORES,
AUTORIDADES,
CONFRADES, AMIGOS
E A TODOS OS PRESENTES
Meu Muito Boa Noite,

Foi com muita alegria e satisfação que recebi a notícia de ter sido eleito como imortal dessa honrosa academia. Por isso, quero, desde já, agradecer publicamente àqueles que me dignificaram com os seus respectivos votos, em especial a Professora Dra. Maria José Bezerra, minha patrocinadora, a quem coube a missão de me indicar ao Sodalício. Quero também estender os meus agradecimentos a todos os confrades que, mesmo não tendo votado em mim, estão aqui presentes para me acolher nessa cerimônia de posse.
Na minha vida, tudo parece acontecer de maneira bem natural. Há 15 anos eu nunca me imaginaria um professor universitário, nem um escritor, nem um editor de livros, nem um doutor, muito menos um “imortal”. Há 15 anos eu era mais um policial militar à serviço da manutenção da ordem pública. Mas a minha grande virtude foi nunca ter parado de estudar. O que me faltou na escola pública, onde sempre estudei, eu ia buscar nos livros por esforço próprio. E foi dessa forma que adotei a Cultura do Livro como estilo de vida. Abdiquei das “festinhas e baladas” de convites fáceis como é para qualquer jovem e, desde cedo, dediquei-me aos livros, mesmo vindo de uma família cujos pais eram semianalfabetos.
A dedicação às leituras acabou me afastando do convívio social e muito dos meus amigos passaram a dizer que havia me tornado “um ser um tanto antissocial”. Mas a leitura é uma atividade de caráter individual: eu tive que pagar o preço. Com o tempo, valeu em mim o provérbio: “quem muito lê um dia se depara com a vontade de escrever”. Com 21 anos escrevi meu primeiro livro “O Perigo da Apostasia” ainda por ser publicado, que espelhava bem o jovem religioso egresso do curso de Teologia. Passei a escrever artigos para jornais até ser colunista durante meses em um jornal local. Hoje, aos 38 anos, tenho 5 livros publicados e mais três em fase final de redação. Apesar das minhas limitações, de uma fase difícil pelo qual venho passando em minha vida particular, ainda consegui colaborar com alguns autores locais, alguns dos quais presentes nessa solenidade, editorando seus respectivos livros. Ao todo já foram mais de 30 livros editorados em menos de 1 ano, de modo que eu acho que serei lembrado no futuro mais como editor do que como escritor propriamente dito. Se assim o for, ficarei feliz com isso.
Todos nós da AAL estamos imersos na cultura do livro, mesmo sem saber. Essa cultura não se restringe apenas à fomentação do hábito da leitura. É preciso promover e valorizar todo o processo que envolve a produção e o consumo do livro. Nesse processo que o ESCRITOR assume um papel fundamental. A biblioteca, templo do livro, também.  E eu como editor estou na base, como um parteiro que ajuda a nascer um filho alheio.
O poder público deveria ser o maior promotor da cultura do livro, no entanto, em nosso Estado, as Fundações de Cultura estão sucateadas e inoperantes. Mas nem mesmo a Secretaria de Estado de Educação tem se atentado para isso. Na minha opinião, os estabelecimentos de ensino deveriam estar comprometidos com a “articização do escritor” e a “manumentalização das bibliotecas”. Ora, o que é isso afinal?
Valorizar a cultura do livro é, acima de tudo, adotar uma política de ensino que trate o escritor como celebridade, como um artista. (Torná-lo notório. Engrandecê-lo, enobrecê-lo, evidenciando-o nas mídias). Isso porque valorizar a cultura do livro é tratar as bibliotecas como um monumento. Um local de apreço, em as pessoas se sintam atraídas a apreciar a beleza estética das curvas do conhecimento.
Afinal, se escrever fosse fácil, a comunidade letrada seria composta por escritores. Porém, o máximo que se consegue, mesmo após terminar uma faculdade ou até mesmo um doutorado, é se tornar AUTOR de uma monografia ou tese. E vocês sabem que há uma diferença muito grande em ser autor e escritor. Então vamos homenagear os com as devidas honras. 
No entanto, falta CULTURA DO LIVRO mesmo em estabelecimentos que deveria sobejá-la. Vou citar apenas o caso da Universidade Federal do Acre:
- Eventos como este da posse de dois imortais não estão sendo prestigiados por representantes da IFES, mesmo tendo um dos seus funcionários agraciados com a imortalidade literária;
- Biblioteca e Editora sucateados;
- Coisas escabrosas acontecem, por exemplo, na FICHA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DOCENTE temos:
- LIVROS publicados por editoras de circulação regional = 0,6 pts
- Revisão de um documento institucional da UFAC = 0,3 pts
- Editoração de livro = 0,0 pts
- Cargo em comissão em pró-reitoria = 6 pts

 Vejam que há uma pedagogia interna na UFAC de valorizar aquele que assume cargos técnicos em vez de valorizar aquele que escreve livros ou ajuda outro a publicar, como é o caso do editor.
Bem, assumo a cadeira nº 38, que tem por PATRONO Plácido de Castro e como meu antecessor Jarbas Passarinho. Pelo ritual do Sodalício, o MOMENTO AGORA É DE REVERÊNCIA. Como novo imortal, teria que, neste momento, reverenciar e destacar as virtudes do meu Patrono e do meu Antecessor. No entanto, como pesquisador que sou, após consultar o patrimoniada literário deles, me dei conta que se tornaram "IMORTAIS" mas por conta da atuação política que tiveram do que propriamente de seus dotes na arte da escrita.
Mas eu tentei manter-me em uma visão ACREANOCÊNTRICA e, numa leitura vaidosa dos meus antecessores, destacar, meio que usando uma “lupa” suas qualidades no campo da literatura. No entanto, como historiador que sou, tenho lentes “anti-epopeicas” e acabo desacreanizando tudo.
       PLÁCIDO DE CASTRO (1873-1908) - Por ironia do destino assentar-me-ei na Cadeira de N° 38, cujo Patrono é nada menos que José Plácido de Castro. Digo ironia, pois nos meus livros o militar recebe um devido julgamento histórico desapaixonado de acreanismo. Portanto, da minha boca não receberá elogios. Nem como escritor, nem como pessoa.
JARBAS PASSARINHO (1920-2016) - Xapuriense, nascido em janeiro de 1920, no entanto, pouco contato teve com o Acre, uma vez que desde os três anos foi morar no Pará. Tornou-se um oficial militar, essa era a sua profissão. Nos tempos da Ditadura Militar de 1964, se tornou político. Foi um dos principais porta-vozes da Ditadura Militar no Estado do Pará, indicado como governador do Pará (1964-66).
Menos conhecida é sua atividade como escritor e intelectual: em 1949, ganhou prêmio de concurso da Prefeitura de Belo Horizonte com o conto “Um Viúvo Solteiro”. Em 1959, com o romance “Terra Encharcada”, recebeu da Academia Paraense de Letras o prêmio Samuel Wallace Mac Dowell.
Em maio de 1991, lançou “Na Planície”, o primeiro volume de suas memórias. Em 1996, o conjunto das memórias foi publicado com o título “Um Híbrido Fértil”. Autor de outras obras, como “Amazônia, o Desafio dos Trópicos” (1971) e “Liderança Militar” (1987). Em 1967-1969 foi Ministro do Trabalho. Atuou na pior fase da Ditadura (Mais de 100 sindicalistas foram destituídos).
Quando COSTA E SILVA propôs o famigerado Ato Institucional nº 5, em 1968, como Ministro, ele foi um dos que o aprovou.
De 1969 a 1974 foi Ministro da Educação. (MOBRAL e UFAC)
De 1981-83, Presidente do Senado Federal.
De 1983 a 85, foi Ministro da Previdência Social.
De 1990-1992, Ministro da Justiça (Collor)
1967-83, Senador pelo Pará.
Tornou-se articulista do Estado de S. Paulo e ficou famoso por eleger o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) como alvo de suas críticas. Enfim, foi um homem cuja importância política excedeu à literária.
EPÍLOGO
Para finalizar, quero dedicar o meu ingresso nessa honrosa Academia à minha mãe, Helena de Araújo Carneiro, uma niteroiense (RJ) que residiu no Acre por mais de 15 anos e que veio a falecer, precocemente, por conta de um diagnóstico errado dado em um hospital público de Rio Branco. A essa mulher dedico o meu ingresso, uma analfabeta que soube, do jeito dela, ensinar os seus filhos a se dedicarem aos estudos, de modo que um virou professor universitário, outra enfermeira e outra médica. Que fique registrado nos anais desta Academia o nome dela, para que seja honrada in memoriam, já que em vida, foi somente mais uma anônima residente na periferia de Rio Branco.
Encerro o meu discurso declamando um poema de minha autoria, que foi publicado no meu livro intitulado POESIAS NOTURNAS, que seria lançado aqui, neste evento, caso não tivesse ocorrido alguns contratempos. O poema que vou declamar é dedicado a pessoa mais importante da minha vida, a minha filha Sarah Cristina.

Oh, minha pequenina,
Papai sempre vai te amar,
Ao teu lado,
Continuamente vou estar,
E entre os meus braços,
Eternamente iremos brincar.

E mesmo quando a velhice me assaltar,
E o meu vigor me abandonar,
Ao ponto de o meu corpo
Não conseguir sustentar,
O meu espírito há de me renovar.

A tua cabeça, em meu seio irás reclinar,
Para dos meus lábios os teu ouvido escutar,
Pois em versos irei declamar:

Minha primogênita,
Comigo podes contar,
Pois neste mundo nada vai nos separar,
E quando para os teus braços eu não mais voltar,
E a minha trêmula voz em um suspiro falhar,
E ao pó da terra o meu corpo tombar,
As minhas lembranças te farão dizer com fervor:
- O meu pai sempre foi o meu primeiro amor.


Eternamente seu pai,
Eduardo de Araújo Carneiro,

02/05/2020

ELOGIO SOLENE (PANEGÍRICO) À ACADÊMICA FLORENTINA ESTEVES, CADEIRA nº 04, que tem por patrono Alexandre de Gusmão

                                                                                                                            Por
Luísa Galvão Lessa Karlberg
 1 – Saudação
Saúdo as autoridades nominadas e o distinto público presente a esta sessão póstuma.  A Academia Acreana de Letras – AAL, que nasceu em 17 de novembro de 1937, com o formato original de 40 cadeiras, segundo a Academia Francesa, tem, por imperativo estatutário, declarar vaga uma de suas cadeiras, aquela de nº 04, e homenagear, no prazo de 30 dias, o seu titular falecido. Eu, no afã de cumprir fielmente com o desiderato de fazer uma retrospectiva da obra e da vida da autora, me desvelei em buscar pessoas que privaram da amizade da confreira, mas, infelizmente, não encontrei familiares que pudessem me guiar nessa tão árdua tarefa. Então, abro esta homenagem de louvor dizendo: a acadêmica ora homenageada, Florentina Esteves, foi uma grande educadora e escritora. Ela iluminou, com sua presença e personalidade, o sodalício da Academia Acreana de Letras. Nas poucas vezes em que conosco conviveu, sempre se mostrou uma fidalga, em gestos de refinada educação e, também, erudição. Uma mulher culta, simpática, afetuosa, serena, íntegra.

2 - Notícia do nascimento e morte de Florentina Esteves
A ACADEMIA ACREANA DE LETRAS - AAL, com profundo pesar, realiza o Panegírico da estimada Professora FLORENTINA ESTEVES, imortal que deixa vacante a Cadeira nº 4, que tem por patrono Alexandre de Gusmão. Filha do espanhol José Esteves e Ida Esteves (paulista de Santos), mais tarde Ida Rodrigues (por ter casado com outro espanhol de nome José Rodrigues). É neta de Maria e José Ferrante. Colhi do romancista Telmo Camilo Vieira (personalidade do segundo distrito, exatamente da “rua da frente”, igualmente Florentina) a seguinte história: José Rodrigues imigrou para os Estados Unidos e lá encontrou o amigo José Esteves. José Rodrigues que havia ganhado alguns dólares convidou o amigo a vir para o Acre e aqui montarem um hotel todo em madeira, estilo clássico. Assim fizeram, e aqui construíram o Hotel Madrid (espaço que hoje pertence à Fundação Cultural Elias Mansur), ponto de encontro da elite da época. José Esteves aqui casou com Ida Ferrante, que tinha um irmão Ministro do Superior Tribunal de Justiça (Miguel Ferrante) e outro irmão Domingos Jordão (que foi provedor da Santa Casa por mais de 40 anos). O avô de Florentina foi Vicente Jordan, um italiano. Florentina Esteves tinha dois irmãos, Maximiniano (Max) e Manoelito. Os avós de Florentina viajavam bastante pela Europa, Oriente, Estados Unidos. O avô foi executado, em plena rua, em Nova York, pela máfia italiana que buscava uma pessoa igualzinha a ele, roupa, altura, cabelos etc. Depois disso a avó veio para São Paulo, mais tarde ao Acre, para nunca ser alcançada pela máfia. Florentina nasceu em Rio Branco, em 30 de junho de 1931, no Segundo Distrito, na chamada “Rua da Frente”, hoje Eduardo Assmar, que foi o bairro fundador da cidade de Rio Branco. Passou toda a sua vida na zona urbana, sem estabelecer contato direto com o cotidiano da seringa, a não ser por meio das conversas e de ouvir as pessoas que desembarcavam, diariamente, vindas dos seringais, em frente ao Hotel Madrid, sua residência e ponto de encontro da “intelectualidade” local. Seu contato com a vida da selva se fez, sobretudo, por meio da prosa com Jovita, empregada do hotel, vinda do seringal.  Ou seja, Florentina, tal como muitos outros contistas e romancistas acreanos, dependeu de uma memória oral. Nessa época, a Amazônia vivia um período intermediário entre os dois ciclos econômicos da produção gomífera. Então, a nossa confreira, ainda muito jovem, com apenas 20 anos, deixou a terra natal e foi para o Rio de Janeiro, onde se dedicou aos estudos. Na Faculdade de Filosofia da UFRJ, no ano de 1953, formou-se em Letras Neolatinas. Anos depois, regressou ao Acre e, aqui, deu grandiosa contribuição como educadora e amante da Cultura regional. Foi a primeira professora graduada que teve o Acre. Foi Secretária de Educação entre 1967-1969. Faleceu no Rio de Janeiro, em 25 de março de 2018, com 87 anos. Na ausência de contato com familiares não sabemos a causa da morte.

3 – Gratidão acreana à Professora Florentina Esteves
No Acre, a Professora Florentina Esteves foi testemunha da efervescência da época, início do século XX, ao ver o entrar e o sair dos hóspedes no empreendimento de seus pais, o Hotel Madrid, situado no segundo distrito, a parte da cidade mais viva, porquanto ali residiam as famílias mais tradicionais e abastadas da cidade, incluindo a família de Florentina Esteves. “Ela viu de perto uma parte da formação do Estado do Acre e conviveu com os migrantes sírios e libaneses que ali se instalaram, com suas casas comerciais, na altura onde hoje é a denominada ‘Gameleira” (COSTA, 2013, p.62).
O Acre muito deve a Professora Florentina Esteves, que foi Secretária de Educação e excelente professora de francês no Colégio Acreano. Uma mulher de vasta cultura e muita humanidade. Tinha profundo amor pelas Letras, amante da literatura, observadora atenta dos costumes da época. Mesmo não tendo participado da vida nos antigos seringais acreanos, ela sabia, por meio de interação com as pessoas do meio, a ambiência e a vida do lugar, com todas as lutas e conquistas. Era uma mulher bem formada e bem informada.
O maior tributo que o Acre poderá oferecer à imortal Florentina Esteves será reeditar suas obras, distribuí-las nas escolas, pois são frutos do respeito e amor à região do Acre, espelhados numa literatura de alta qualidade, nada a desejar aos grandes nomes que correm pelo país e pelo mundo.
E, mais, gratidão à Professora de francês, recordando suas belas aulas, nas palavras do Dr. Edson Costa, publicadas no Facebook, em 05/04/2018, às 10h51min:
Bonjour Lundi,
Comment va Mardi?
Très bien Mercredi.
Je viens de la part de Jeudi
Dire à Vendredi
qu'il se prépare Samedi
Pour aller à l’église Dimanche!

4 – Legado literário
A literatura é uma forma de arte que tem como matéria-prima a palavra. A sua finalidade é recriar a realidade, a partir do ponto de vista do escritor. E, segundo dizem estudiosos da literatura de Florentina Esteves, afiançam que ela, de conspiração entre sua imaginação, a experiência de leituras herdada da avó e a memória nutrida pelo ouvir constante sobre fatos, pessoas e situações, escreveu os livros que compõem a sua valiosa e primorosa literatura. Nós a consideramos uma literata completa: cronista, contista e romancista da melhor qualidade. Escreveu várias obras, como “O empate” (1993, romance), “Enredos da Memória” (1990, crônicas), “O Acre de ontem e de hoje”, (2008, crônicas), “Direito e Avesso” (1998, contos), livro de 32 contos, narrativas que deveriam ser lidas e conhecidas pelos estudantes acreanos. Nesta obra (Direito e Avesso), a Professora Florentina conta diversas histórias do povo da mata, com destaque para as personagens femininas, tanto nas histórias da floresta como da cidade, quando registra costumes e crendices acreanas.
Florentina Esteves (1931) ambienta seus textos no convívio acreano, desde a segunda crise da economia da borracha até o finalzinho dela no século XX. Escrevia de modo peculiar, um manejo estrondoso com as palavras e uma forma bonita de retratar o Acre, seus costumes e cultura, como no Conto ”Mapinguari”, quando descreve, de modo fantástico, a figura lendária dessa  entidade, no seu caráter simbólico e imagético, assim como tudo que ele representa na população da floresta. Assim, deixa como legado, uma rica literatura e a mais significativa prosa do Acre, que tem sido tema de estudo e pesquisa em Universidades Brasileiras, caso especial da Tese de Doutorado da Prof.ª Dr.ª Maria José da Silva Morais Costa, cujo título é bem significativo: “Trajetória de uma expressão amazônica, o encanto de desencanto em Florentina Esteves” (2013)
Diz Costa (2013, p.63) que “Enredos da memória” reúnem 32 contos divididos em seis capítulos: Um pouco de história, O cenário, Personagens, Infância, Capítulos que a história não contou e Anedotário. É um livro onde Florentina Esteves reconstrói os momentos iniciais da cidade de Rio Branco, “do ponto de vista da classe dominante local, quando ela mal e mal se vestia de cidade” (COSTA, 2003. P.52). Na tessitura textual dessa obra, ela conta fatos da história acreana (Empresa e Revolução acreana), bem como fala sobre figuras conhecidas da sociedade local, como o poeta Juvenal Antunes, a Professora Mozinho e Garibaldi Brasil. Fala dos estabelecimentos que abrigaram os acontecimentos sociais, as festas e a vida cultural da cidade, tais como o  Hotel Madrid, o Beco-do-mijo e a Tentamen. E nessas narrativas também estão presentes a infância da nossa confreira. Esse livro, segundo Costa (2013), “é a soma de confissão pessoal, depoimentos de vivência e imaginação num discurso que pretende reconstruir o passado por meio da recordação”.
O romance O empate traz uma proposta um pouco diferente da anterior, aqui, Florentina se propõe, por meio de uma narrativa mais longa, desinteriorizar vivências onde os enredos da terra se haviam depositado. A trama se faz em torno da vida de Severino Sobral, seringueiro por 50 anos, que vivia numa colocação próxima à cidade de Xapuri.
Na primeira parte do livro, a exemplo de Potyguara, Ferrante, Mário Maia, Telmo Camilo Vieira, ela relembra a chegada de Severino ao seringal e a formação da família – mescla do nordestino com o indígena. Na segunda parte, ela refaz o contexto dos empates contra os “paulistas”, que aqui chegaram na época do Governo Wanderley Dantas (o Dantinha). Tece um enredo permeado com fortes pinceladas de lirismo, como quando narra o encontro de Severino com Mani, sua esposa, e o nascimento dos filhos do casal. Nesse romance, em relação a Enredos da memória, há um aperfeiçoamento na técnica narrativa, por meio de monólogos interiores que levam a uma caracterização mais verossímil das personagens e uma precisão maior na técnica narrativa.
Em Direito e avesso, a escritora retoma a narrativa curta, escreve 32 contos, numa fase mais madura de sua escrita. Os enredos são interessantes quando passa da prosa descritiva inicial de sua produção literária, agora para uma narração que denota maior riqueza de conteúdo e de forma.
Diz Costa (2013) que a proposta da contista, neste último livro, é imaginar, cada vez mais, a pluralidade das  existências acreanas. E, assim, os contos estão centrados na realidade vivida nos seringais, na vida da capital Rio Branco, na fala dos ribeirinhos, das pessoas que caminham nas ruas da cidade; da classe média do lugar, das crianças, homens e mulheres. Por aí vai construindo as histórias, tendo como figura recorrente o rio como representação do curso da vida, com a sucessão de desejos, sentimentos e intenções, e a variedade de seus desvios e obstáculos.  Também, é para notar que as paisagens geográficas e sociais, arquitetadas nos contos de Florentina, têm eco em toda a literatura de expressão amazônica, uma vez que são criadas sobre os mesmos pressupostos e olhares.
Interessante notar, nesse percurso literário, que Florentina Esteves, aos poucos, colhe material para projetar suas personagens. Com isso, mostra que o desencanto da maioria delas (como se verá no desfecho de grande parte dos contos) não se deve ao fato de serem ricos ou pobres, homens ou mulheres, novos ou velhos, mas, antes de tudo, deve-se a uma circunstância açambarcante da compreensão desses indivíduos. No nível formal, Florentina reinventa seu jeito de narrar, inaugurado com Enredos da memória, a influência de um Graciliano Ramos, com frases nominais e a forte presença de regionalismo. Igualmente ao escritor alagoano, ela também traduz vidas, não aquelas marcadas pelas secas, mas vidas cheias, encharcadas das águas da Amazônia. Todavia, no estilo da linguagem objetiva e precisa ela aponta para a igualdade de frustrações, ou seja, “assim como as vidas secas de Graciliano, as vidas úmidas de Florentina também se constroem sob o signo de uma negatividade evidenciada no ritmo discursivo de ambos” (COSTA, 2013, p. 64).

5 – Identificação com o lugar e contexto histórico
Interessante observar que toda produção de Florentina permite ao leitor identificar a si, o pai, o avô, o tio, a tia, o primo, amigos, particularmente na construção de imagens das gentes acreanas. O contexto histórico centra-se na Batalha da Borracha e a derrocada da economia após a Segunda Guerra. Talvez, por isso, a obra possui um ‘ar de denúncias’, pelo fato de as personagens serem limitadas, conformadas nos seus próprios imaginários, limitadas que são diante das expectativas de vida, impotentes, considerando não haver, para elas, saída que não seja a conformação ou a morte. Parece-nos com o Brasil de hoje, quando nós já não acreditamos nas instituições e num cenário de esperança para os nossos sucessores. Nós, do Brasil de hoje, igualmente os soldados da borracha, de Florentina Esteves, vivemos a ausência de confiança no futuro.
Diz Costa (2013, in Bachelard, em A poética do espaço,1986, p.42) “que os escritores nos dão seus cofres para ler. Ora, se os cofres funcionam, simbolicamente, como um dos órgãos da vida psicológica, a franquia deles para o deleite do leitor significaria a abertura de uma intimidade”.
Foi a busca da vida íntima da literatura de expressão acreana de Florentina Esteves que motivou a escrita desse Panegírico, tão bem auxiliado por Costa (2013), no fabuloso livro “Trajetória de uma expressão amazônica – o encanto do desencanto em Florentina Esteves”.
No livro Direito e avesso o leitor encontra a “natureza refúgio” e a natureza que empareda o ser humano, tirando todas as perspectivas de novidade de vida. Há, aqui, o rio como signo de esperança, de canal para as novidades que chegam ao seringal e a morte nas águas turbulentas. Ao tempo que os rios dão vida, também confinam os seres humanos que habitam na floresta amazônica.
Então, todas as imagens, personagens, plenos de sonhos e ideais,  transcendem à localização espacial, isso porque nessa selva (espécie de cela) o ser humano é impedido de desejar,  levado a se conformar, como muitos de nós, com essa realidade do tempo, como nós estamos neste século XXI, quando o panorama sociocultural nos remete, sempre, de volta a um passado que não se compreende por inteiro, pois ele ainda está se fazendo.
Para a nossa despedida, valemo-nos das palavras de Costa (2013, p.54):

Flora, flora, Florentina. Face menina. Face professora. Face intelectual. Faces/afluentes de um rio sempre fluido, aguando e sendo aguado em uma terra que conhece como a palma da mão. Afluentes que se encontram nesse corpo ruivo cujo modo de expressão se dá pelas dobras de uma linguagem artesanal.

A Academia Acreana de Letras se despede de Florestina Esteves, mas a eterniza no coração, na forma de um farol de luz. O destino une e separa. Mas nenhuma força é grande o suficiente para fazer esquecer a nossa estimada confreira. A morte não poupa ninguém. — Mors omni aetate communis est. Adeus, ilustre imortal  Professora, escritora, contista, romancista Florestina Esteves.
Saudade Eterna.
Sodalício da AAL

REFERÊNCIAS
ESTEVES, F. Direito e avesso. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 1998. 93 p.
___. O empate. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 1993.84 p.
___. Enredos da memória. Rio Branco: Fundação Elias Mansour, 2002. 158 p.
___. O Acre de ontem e hoje. Editora: MM Pain, 2008.
COSTA, Maria José da Silva Morais Costa. Trajetória de uma expressão amazônica – o encanto do desencanto em Florentina Esteves. Patrocínio da Fundação de Cultura Elias Mansur. All Print Editora, 143 p.

FONTES SECUNDÁRIAS
CARVALHO, D. M. S. Entre o oral e o escrito: o conto numa comunidade amazônica. Araraquara, 2001. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) – Curso de Pós-graduação em Letras. Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista. 154 p.
 ___. A presença da literatura oral no Vale do Juruá: manifestações folclóricas e identidade. Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2005. 124 p. CARVALHO, J. C. Amazônia revisitada: de Carvajal a Márcio Souza. Rio Branco: EDUFAC, 2005. 357 p.

ELOGIO SOLENE (PANEGÍRICO) AO IMORTAL NAYLOR GEORGE PIRES



ELOGIO SOLENE A NAYLOR GEORGE PIRES - SAUDADE ETERNA DO SODALÍCIO DA ACADEMIA ACREANA DE LETRAS

Prof.ª Dr.ª Luísa Karlberg
Presidente da AAL
APRESENTAÇÃO  - A ACADEMIA ACREANA DE LETRAS – AAL com profundo pesar, realiza o Panegírico do ilustre CONFRADE EMÉRITO NAYLOR GEORGE PIRES, que deixa vacante a cadeira 26 da AAL.
Um panegírico era, originalmente, na Grécia Antiga, o discurso de caráter encomiástico ou laudatório que era pronunciado em grandes reuniões festivas do povo. Na Roma Antiga, denominava-se "panegírico" o discurso que os cônsules romanos pronunciavam diante do imperador, depois de serem eleitos, manifestando-lhe seu respeito e admiração.Hoje é uma saudação, uma homenagem pós-morte. Portanto, hoje, fazemos um hino de louvor e saudade a Naylor George Pires
Diz Costa (2013, in Bachelard, em A poética do espaço, 1986, p.42) “que os escritores nos dão seus cofres para ler. Ora, se os cofres funcionam, simbolicamente, como um dos órgãos da vida psicológica, a franquia deles para o deleite do leitor significaria a abertura de uma intimidade”. Em parte, faremos essa pesada tarefa. Salve Naylor Goerge Pires, os agradecimentos do Sodalício Acreano por sua vida dedicada à cultura, as artes, aos livros, ao jornalismo!

NAYLOR GEORGE PIRES - 12/03/1956 - 18/12/2019 – CADEIRA Nº 26 E MEMBRO EMÉRITO DA ACADEMIA ACREANA DE LETRAS. 

I – ORIGENS - Nascido no Seringal Iracema, Xapuri, no rio Acre, no dia 12 de março de 1956, filho de Mizael Montizuma e Raimunda Pires. Saiu bem jovem do seringal para a cidade, segundo ele, ainda sem conhecer o gelo, vindo morar no Bairro Quinze, na provincial Rio Branco dos anos 60. Naylor George Pires é membro de uma família tradicional de reconhecidos nomes de nossa educação, como os irmãos Montizuma, ou da cultura como seu primo, o músico João Donato.
Durante toda sua infância e adolescência, morou no Bairro Quinze, um dos mais antigos bairros da cidade, e o local de moradia de segmentos diferenciados étnico, cultural e socialmente. É o lugar que imortalizou com sua obra, a Décima Quinta Lembrança, livro que sem dúvida é um dos trabalhos literários mais expressivos da década de 70.
Naylor, desde muito jovem, se destacou pela inteligência, inquietude e criatividade, qualidades que entre outras, o tornaram conhecido em toda a cidade. Tendo participado ativamente da grande ebulição das artes que foi na década de 70, na cidade de Rio Branco, destacando-se, inicialmente, no Teatro e, em seguida, após a conclusão do curso de História, pela UFAC, torna-se, com seu aguçado senso crítico, jornalista, escritor e poeta, antes de tudo, com uma forte consciência histórico-social e política. Síntese, talvez, do tempo vivido no Bairro Quinze. Tinha excelente formação universitária, bom escritor, domínio correto do idioma pátrio. Brincava com as palavras e com elas também fazia humor bastante criativo. Um homem de rara inteligência e cultura. Escreveu seis livros e mais de 10.000 artigos. Uma produção que o fez jornalista respeitável e respeitado, em decorrência, ora das importantes narrativas e registros sobre nossa história e nossa cultura, ora pela importante expressão literária, onde exprime, com vigor, revolta, desencanto e, sobretudo, uma agressiva sinceridade que é parte reconhecida de sua personalidade.
O imortal, poeta e escritor Naylor George, segundo a confreira Prof.ª Dr.ª Maria José Bezerra, sua biógrafa, as experiências na Universidade o ajudaram a desenvolver sua potencialidade poética, dentre as quais citamos: Curso de formação jornalística e Curso de Metodologia de Pesquisa Literária. Representou o Estado do Acre no Encontro Norte-Nordeste de Escritores, realizado em Manaus-AM, pela União Brasileira de Escritores do Amazonas.
Também, participou de vários cursos de extensão e seminários, desde a época de universitário. Naylor George se fez atuando em diferentes expressões das Letras e das Artes, dentro e fora da UFAC, inclusive atuando no Teatro Amador, para dar livre curso ao seu potencial. Prestou serviços à educação em nossa região, inclusive como representante do Estado do Acre, no Encontro Nacional de Teatro Amador, realizado, à época, em Goiânia.
Com bastante mérito é membro da Academia Acreana de Letras, desde 2005. Em decorrência, ora das importantes narrativas e registros sobre nossa história e nossa cultura, ora pela importante expressão literária, onde exprime, com vigor, revolta, desencanto e, sobretudo, uma agressiva sinceridade que é parte reconhecida de sua personalidade.
Em 1981, lançou seu primeiro livro intitulado “Veredas Mundanas”, centrado em temas amazônicos. E juntamente com outros autores, Naylor George representou o Acre em Osasco – SP, com a peça teatral “Os filhos da Mata”. Em 1982, torna-se responsável pela coluna “Reflexo Cultural”, no jornal acreano “O jornal”. Posteriormente, participa, na condição de ator e diretor, da peça “A grilagem do cabeça”. Também inicia a apresentação de programas de cunho cultural: “Coisas Nossas” e “Comunicação Artesanal” na Rádio “Novo Andirá”.
Em 1982, com apoio da Fundação Cultural do Acre, publica “A Décima Quinta Lembrança”, e, ainda representa os escritores acreanos no Segundo Encontro Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo, Capital. Foi também, Coordenador local do Projeto Pixinguinha, em 1986, além de editor cultural do jornal “O Rio Branco”. Lançou também o livro “Encontro de Paralelas”.
Ainda, segundo a excelente biografia da Professora e Doutora Maria José, numa análise de sua obra, ao longo dos últimos anos, texto e contexto se articulam dialeticamente, numa totalidade em que a criação deste é marcada pela experiência social de ser do “Quinze”, espaço de Rio Branco, que desde a gênese da cidade é caracterizado como o lócus de escritores, poetas, boêmios, bares, casas noturnas de espetáculos. Transgredir, na acepção profunda e múltipla, é a palavra que personifica esse filho das barrancas do Rio Acre.
A obra lançada, “as outras partes do nada”, nas palavras do acadêmico Dalmir Ferreira: “se constitui numa aquarela de fragmentos da realidade, recortados e justapostos, dialeticamente. O nada é tudo...A partir desse “olhar” se compreende que ninguém precisa ser nada para ser alguma coisa. Poesia e prosa, sem contraponto”.
Um excelente trabalho, complexo e simples a um só tempo, em que o autor propõe a nova geração, dispensando materiais e técnicas modernas, os diversos olhares e as diversas possibilidades de que disponibilizam convívio com a cultura no dia a dia, um exercício crítico, para quem queira produzir poesia, música ou qualquer expressão artística que pretenda. Há, a meu ver, a maior homenagem desse velho autor e parceiro da cultura, é no, entanto, prestada aos seus velhos companheiros de caminhada pela arte, inscrita nas entrelinhas, nas outras partes do nada...”O meu filho Naylor é minha continuidade nesse plano material, visão de anos luz, cabeça de Albert Einstein, um bom menino, meu terceiro olho”.

II – VIDA E TRABALHO - A morte de Naylor repercutiu na imprensa acreana. Conhecido por sua veia poética, Naylor George militou na imprensa acreana a maior parte de sua vida. Ele publicou mais de 15 mil textos, em variadas formas e com diferentes conteúdos, durante sua carreira.  Colunista, articulista, jornalista e repórter do jornal O RIO BRANCO, por cerca de 30 anos. Naylor é considerado, pelos próprios colegas, como o maior jornalista cultural do Acre. Por vários anos, ele influenciou e apoiou outros artistas, na capital e interior do Acre. Na década de 80, ele foi um dos fundadores da Associação dos Jornalistas do Acre (AJA), que mais tarde, em 1988, foi transformada em Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Acre (Sinjac).  No governo, Joaquim Macedo (1979-1982), ela ajudou a instituir a Fundação Cultural, que em 2000, deu origem a Fundação Elias Mansour, em homenagem ao ex-chefe da Casa Civil. Foi Editor de Cultura no Jornal o Rio Branco e também no jornal “Página 20”. Para Naylor, seu grande mestre foi José Chalub Leite, que esteve à frente do jornal “O Rio Branco”, entre os anos de 1969 e 1980, quando, então, Naylor, iniciava sua carreira. Foi grande apoiador, no Acre, do Projeto Pixinguinha, criado em 1997 pela Funarte, em parceira com as Secretarias de Cultura Municipais e Estaduais. Interrompido desde 1997 por falta de verba. Foi retomado em 2004 e atualmente é favorecido pela  Lei Rouanet, sendo a multinacional Petrobrás a maior patrocinadora. Nesse projeto Naylor se envolveu bastante, aqui no Acre, projetou músicos, artistas plásticos, escritores, escultores, jornalistas culturais e outras artes. Sobre sua literatura, ele” acredita que suas obras sejam uma referência para aqueles que têm a intenção de conhecer um pouco a história do Acre”. “Ele [Chalub Leite] foi meu grande mentor e hoje quem quiser saber um pouco sobre o Acre, os detalhes, a linguagem peculiar do nosso lugar, tem que ler Naylor George e futuramente também George Naylor. Meu filho foi uma forma de continuar o meu trabalho e ele escreve muito bem, tenho orgulho dos textos dele”.
Os textos de Naylor, nos jornais do Acre, davam apoio e divulgação de muitos artistas e movimentos culturais, tais como: O teatro de Betho Rocha, As matas de Matias, O filme de Silvio Margarido, A performance de Maués, As telas de Hélio Melo, Os violões de Dirciney, As crônicas de Toinho Alves, A precisão de Fátima Almeida, A poesia de Bartholomeu, A prosa de Océlio, O maestro Sandoval dos Anjos, O Coral de Elais Meira Eluan, A fanfarra de José Alberto, As escolas de samba de João, A música de Damião, Os causos de José Chalub, As pinturas de Danilo, As memórias de Naylor, A floresta de Ivan Campos,O cinema de Adalberto Queriroz, Toni Van, Teixeirinha do Acre (João Batista Marques de Assunção). As estripulias do palhaço Tenorino, As criações de Jorge Carlos, A xilogravura de Dalmir Ferreira, As canções de Keilah, A sanfona de Nilton, O regional de Bararú, Os bárbaros, Os Mugs, A voz de Nilda, Os contos de Leila, A miscelânea musical de J. Conde, A poesia de Juvenal Antunes, A cidade se diverte de Chico, As estórias de Gregório Filho, O Cine Rio Branco, O Cine Acre, O teatro de arena do SESC, O Casarão, O Jirau, O violão de Elias, A guitarra de Rubão, Os poemas de Manoel, As esportivas de Dandão, As lendologias de Clenilson, A vida musical de Pia Vila, A curta obra musical de Beto Rocha, As letras de Felipe, O cine teatro Recreio, A bateria elétrica de Hermógenes, O contrabaixo paciente de Clevisson, Os improvisos teatrais de Ivan, As danças de Regina, O canto de Heloy de Castro, A composição de Sérgio Souto, Os quadros de Bab França, Os ritmos de Narciso, As pinturas de Rivas Plata, As pastorinhas da Guajá, As aventuras de Gilberto Trotamundo.

III – LITERATURA - Décima Quinta Lembrança (duas edições); Outra Parte do Nada; Veredas Mundanas; Encontro das Paralelas; Notícia de Jornal; Contra Fluxo (inédita); mais de 10.000 artigos jornalísticos, peças de teatro e musicais. Sua estreia no mundo da escrita aconteceu em 1981, quando lançou “Veredas Mundanas”. No ano seguinte representou o Acre em Osasco – SP, com a peça teatral “Os filhos da Mata”. Torna-se responsável pela coluna “Reflexo Cultural”, no jornal acreano “O jornal” e segue participando do teatro, como ator e diretor da peça “A grilagem do cabeça”. Inicia no rádio com os programas “Coisas Nossas” e “Comunicação Artesanal”, na rádio Novo Andirá.
Do que li posso dizer com Clarice Lispector: “Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento”. Ou um poema de Fernando Sabino: “De Tudo Ficaram Três Coisas/A certeza de que estamos começando/A certeza de que é preciso continuar/A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar/Fazer da interrupção um caminho novo/Fazer da queda um passo de dança/Do medo uma escola/Do sonho uma ponte/Da procura um encontro, E assim terá valido a pena existir!” Esses versos traduzem bem nosso imortal, poeta imortal Emérito, que deixa, em suas obras, lições preciosas de sabedoria, vida e, sobretudo, imensa saudade! Essa saudade que calcula as horas por meses, os dias por anos, essa ausência se faz uma eternidade.
Nas suas obras, Naylor George deixa vazar inquietações cotidianas e vive angústias em seu processo criativo. Logo, busca transformar em desafios criativos, como ensina Freud (1907-1908), o sofrimento em prazer e o faz por meio da sublimação, por meio de uma travessia poética, de uma ponte que liga o imaginário do escritor com o imaginário do leitor. Nesse particular, mergulha – quem sabe – na ânsia que sentiu no passado, lá no Seringal, com a inquietação da cidade, do futuro que se faz em presentes nessa veia poética de um tempo que é para sempre agora, início sem fim, tempo de escrita.  Aqui, segundo Johann Goethe, “Uma palavra escrita é semelhante a uma pérola”. E Naylor sabia bem escolher as palavras, assim como transitar entre elite e periferia.
Em Naylor, a deusa-mãe da Poesia e da Memória entrega Eros aos braços de Zeus, entrega à vida aos braços das letras, berço-histórico que, na literatura, faz-se presente e torna-se uma realidade de sua imortalidade. Dizemos isso porquanto sua literatura espelha um escritor criativo em sonhos e devaneios. Nesse particular, Freud já queria saber de que fontes esse estranho ser, o escritor criativo, retira seu material, e como consegue impressionar-nos e despertar-nos emoções das quais talvez nem nos julgássemos capazes. Naylor George faz isso como ninguém, somente Freud para explicar, eu não consigo. Talvez os nobres acadêmicos possam dizer mais e melhor do que eu. Charles Josephe Ramus, historiador inglês, diz que “Todo o segredo da arte é, talvez, saber ordenar as emoções desordenadas, mas ordená-las de tal modo que se faça sentir ainda melhor a desordem”. E a literatura também é isso, a Literatura é arte. Somente o escrito, com propósito ou a intuição dessa arte de invenção e de composição constitui a literatura.  Os livros de Naylor são sinônimos de boas letras, conforme a vernácula noção clássica de literatura, que é a melhor expressão de nós mesmos, claramente mostra que somos assim conforme Veríssimo (1916; 1963). A literatura não é um modo de libertar a emoção, mas uma fuga da emoção; não é uma expressão da própria personalidade, mas, talvez um recurso para uma fuga da personalidade ou uma revelação, como se observa na literatura de Naylor George. A obra “As outras partes do nada” é uma aquarela de fragmentos da realidade recortados, segundo definição do autor. Lendo Naylor, compreendemos porque Jean Paul (1999) afirma que ninguém é escritor por haver decidido dizer certas coisas, mas por haver decidido dizê-las de determinado modo. E o "estilo", decerto, é o que determina o valor da prosa. A literatura de Naylor revela o estilo polemista, igualmente de Sartre, com tal força que coloca o leitor em contato com um escritor que efetivamente exerce a sua liberdade de ter opiniões. Coerente com as suas ideias, escreve para revelar-se como homem em situação diante do mundo. É um belo legado, de preciosas lições e visões de mundo.

IV – DESCENDESTES - NAYLOR GEORGE E O FILHO GEORGE NAYLOR – “Eu sou o texto do contexto, a parte do todo. Sobre George filho, disse certa vez, o seguinte: “Ele é o contexto do texto, o todo na parte”. Afirmava que George parecia lhe completar e vice-versa. E era bem verdade, sua afirmativa, posto que durante uma entrevista era possível observar essa quase simbiose entre pai e filho.
NAYLOR e TAYGUARA FELIPE – O jurista que olhava o pai, sempre atento e dedicado, um temperamento calmo, era um ponto de amor e equilíbrio. Mas não pairou aí o nosso Imortal Emérito: deixa um vazio nos corações de João Moreno, Sidarta Dantas, Nanaiua Souza, Karima Pires.

V – AMIGOS E PROFESSORA - “O que eu mais gostava nele é que onde ele estivesse, os amigos estavam sempre por perto. Às vezes, ele acabava brigando com alguns mas logo refazia as amizades. Ele era um homem assim, sem mágoas”, disse Nazira Mamede, a comerciante do Novo Mercado Velho com a qual o poeta se relacionava como cliente desde os anos 80. “Era muito bom pagador”, elogia dona Nazira, que lhe vendia cerveja, como a muitos outros de seus clientes, na base do “caderno”, para pagar depois. “No dia do pagamento, o primeiro freguês a chegar na Nazira ou lá na dona Ray era ele”, diz o comerciante Antônio Augusto de Melo, dono da “Banca do Pelé”, no Centro de Rio Branco, um de seus muitos parceiros de boemia. “Era uma figura, às vezes encrenqueiro, implicando com quem falasse errado o português, e às vezes de coração transbordante, cheio de carinho”, acrescenta Pelé.
“Era um excelente amigo, bom papo, inteligente, culto. Enfim, um intelectual que se preocupava com a arte e com a cultura do nosso Estado”, disse outro de seus amigos e companheiro de mesa e copo, o advogado Ivo Araújo, professor aposentado da Universidade Federal do Acre (UFAC). “Polêmico, às vezes, mas uma pessoa que vai nos fazer muita falta”. Cera feita, em um evento cultural, se encontravam várias personalidades que se intitulavam membro de Academias no Acre. Naylor, após ouvir a fala de alguns, levantou-se indignado e disse: “A única academia que existe no Acre é a Academia Acreana de Letras. As demais são genéricas”(presente Enilson Amorim). No mesmo dia, quando um escritor soberbamente gabava que a língua portuguesa veio de Portugal, ironicamente Naylor retrucou: “Engano seu, todas as línguas latinas vieram do latim”.
Dr.ª Maria José Bezerra (confreira e ex-professora no Curso de História na UFAC): “No curso de história ele era atento, polêmico, questionador. Quando o professor não o atendia nos questionamentos ele o colocava fora de sala de aula. Eu fui a única que ele nunca brigou, fomos sempre amigos respeitosos. Era muito inteligente, um espírito inquietante, arguidor, todavia gentil, amoroso”.

VI DESPEDIDA - O vigoroso coração de Naylor insistiu por 63 anos, resistiu o quanto pôde no objetivo produtivo, assim como será sua vasta produção literária, fisicamente imortal, busca de imortalidade. Sei, sabemos, os que acreditam na permanência do espírito, que seu repouso final não representa a vitória da morte. Poderíamos perguntar até neste momento, nesta Sessão de Louvor, repetindo Paulo na Epístola aos Coríntios: Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? – Naylor continua entre nós, com seus pensamentos, suas palavras inquietantes e desbravadoras. Os seus livros, de repercussão regional, uma verdadeira acreanidade, jamais escondem a influência das suas raízes ribeirinhas, de alma inquieta e ansiosa de conhecimentos. Ele se destacava, com carisma especial, nos primorosos textos que escrevia. Nessa sua escrita está vazado que ninguém poderá negar-lhe as raízes, a ansiedade e o espírito amante da arte e da cultura. Assim, na escritura, está muito claro que Vita mutatur, non tollitur, a vida é mudada, mas não tolhida.
É num claustro de paz que Naylor George se encontra agora e donde virá sempre para junto dos seus confrades e confreiras, pois é verdade que ele amava a Academia Acreana de Letras, e tudo que por ela fazia ERA O MELHOR!
Escrever, escrever... escrever... Além de produzir trabalhos ficcionais ou não, o Naylor também falava sobre o ofício e a arte da escrita, muitas vezes ensinando os passos para escrever determinados gêneros ou como ser um bom escritor e sobre a importância da escrita, sua motivação e propósito.
Recordemos que também faz parte do ofício do escritor tecer críticas literárias sobre trabalhos de outros escritores para jornais, revistas ou periódicos. Naylor fazia isso, se importava com os colegas jornalistas. Para ele, os escritores produzem material em variados gêneros literários, ficcionais ou não ficcionais, através de mídias diversas, com uso ocasional de ilustrações, gráficos ou links, mas tudo deveria ser escrito no bom estilo, não importava se fosse das letras, do teatro, da música, deveria ser dedicado, bom. Caso recente, como o de Bob Dylan, que ganhou o Prêmio Nobel da Literatura, mostra, como via Naylor, que a arte da escrita pode ser expressa na forma de músicas e assim ser reconhecida como literatura e no cinema.
Nesse particular, trago a lume Montaigne dizendo que toda a filosofia é aprender a morrer, advertindo-nos de que pouco a pouco vamos percebendo que a aventura da vida não termina na morte. A vida daqueles que cuidamos e que desaparecem se prolonga em nossas vidas. Levamos até o fim as recordações dos que conosco morreram e, deste modo, continuam vivos nas nossas lembranças, nos nossos corações.
As lições que colhi da literatura de Naylor e que passo ao Sodalício Acreano:

     i.     Para que haja uma mudança, você deve estar aberto a novas ideias e perspectivas das coisas que acontecem ao nosso redor;

        ii.     Seja você mesmo; não o que querem que você seja;
      iii.     O lazer também é importante para que possamos alcançar nossos objetivos;
      iv.     Motivar as pessoas que nos cercam é escalar o nosso exército para a transformação por um bem maior;
        v.     Ser autêntico, leal, nunca utilizar inverdades;
      vi.     Amar a Academia e procurar fazer dela uma instituição modelar;
    vii.     Ter coragem para conviver com o diverso, aprender e construir com ele.
  viii.     Aprender com Naylor, assim como fez Vicent van Gogh: Todo dia é uma oportunidade diferente para aprendermos novas coisas. Apesar das aparências, tudo é para melhor e Deus está no leme. Não vamos esquecer que as emoções são os grandes capitães de nossas vidas, nós obedecemos-lhes sem nos apercebermos.

A AAL - Academia Acreana de Letras se despede de Naylor George Pires, mas o eterniza no coração, na forma de um farol de luz. O destino une e separa. Mas nenhuma força é grande o suficiente para fazer esquecer o nosso estimado confrade. A ironia, a inquietação, a ânsia pelo saber, o ardor da escrita, a arte da vida boêmia, os amores, os sonhos, o amor pela AAL, a morte não poupa ninguém. Aos familiares de Naylor George, nosso profundo pesar. Aos imortais da AAL, a saudade faz boa cama com as lembranças de nosso acadêmico Emérito Naylor George, por tudo que fez e que se eternizam nas suas obras — Mors omni aetate communis est. Adeus, ilustre imortal escritor, historiador, professor, jornalista NAYLOR GEORGE PIRES.