Discurso de Posse do Acadêmico Prof. Dr. Mário Lima Brasil - ACADEMIA
ACREANA DE LETRAS, quarta-feira, 27 de julho de 2016
Saúdo nossa
Presidente a confrade Luísa Galvão Lessa Karlberg, autoridades presentes, meus
amigos e minhas amigas.
Ainda na
Presidência do confrade Clodomir Monteiro, a quem presto minhas homenagens, e
no ano que conclui e apresentei a composição de minha autoria, Espetáculo
Interativo Chico Mendes, fui eleito, com muito orgulho, para ocupar a cadeira nº
15 da Academia Acreana de Letras. Cadeira que tem como patrono Belarmino de
Mendonça Lobo e como antecessor Jorge Kalume. Aqui me reportarei aos escritos
de Leandro Tocantins nosso escritor e poeta e do pesquisador do exército Hiram
Reis e Silva Coronel da Reserva da Arma de Engenharia, também pesquisador do Departamento
de Ensino e Cultura do Exército Brasileiro para buscar as memórias do nosso
patrono e antecessor.
A parteira
se apressava e a criança estava a nascer, ninguém sabe ao certo o nome que
seria dado. Os índios da região, abundantes naquela época, o chamavam de
Aquiry. Os convidados da História, sem se conhecerem, seguiam o curso do rio. O
primeiro barco que subia o rio trazia os nordestinos, ávidos para participar do
batizado daquela linda criança no extremo oeste da Amazônia e nele vinha a
família Lima, do meu avô Júlio. Outro barco se apressava para o nascimento
daquela criança-estado, e trazia consigo os sírio-libaneses, dentre eles a
família Kalume, que carregava nele o comercio dos regatões. Mais atrás, o
terceiro barco trazia expedições, agrimensores, como a que trouxe o General
Belarmino de Mendonça Lobo, ia fazer estudos nas terras do Juruá e vinha de
terras distantes, convidado pela história para fazer parte daquele batizado de
um Estado. A uma distância de apito, vinha o navio de guerra para a
oficialização da deposição das armas dos revolucionários acreanos, nele vinha o
meu avô Tenente Aderbal Brasil. Quatro barcos e um único destino. Como um rio
que é formado de pequenos rios que são formados de pequenos Igarapés, assim
também tece a história os seus pequenos encontros. A história convidou esses quatro barcos para
testemunharem o nascimento de uma criança-estado. Sem saber adentraram cada um deles por essa
porta da história e desaguaram dentro desta sala da Assembleia Legislativa do
Acre. Se um desses barcos tivesse naufragado e não chegado até aqui a história
seria outra e talvez não tivesse eu recebendo humildemente as homenagens dessa
Augusta Academia.
Meu
Patrono, Belarmino de Mendonça Lobo, adentrou as portas da história do Acre como
chefe da “Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Juruá”, em 1904. Na
mesma época chegou meu avô, Tenente Aderbal Brasil, cuja primeira missão foi
guardar o barracão onde os revolucionários depuseram suas armas. Logo depois
ele se dirige também ao Juruá, Tarauacá, e lá nasce meu pai, Geraldo Brasil,
que em 1937 regressa de Belo Horizonte para fundar, junto com outros da sua
geração, o primeiro sodalício da Academia Acreana de Letras (acredito o único
confrade, na cadeira 7, da época da fundação, ainda entre nós). Aqui estou eu,
na cadeira no. 15, com muito orgulho. Não estaria aqui se não fosse o encontro
de todos esses barcos e o meu patrono General Belarmino de Mendonça Lobo, pois
seu trabalho e o de Euclides da Cunha, deram a certeza à Barão de Rio Branco
que a decisão certa havia sido tomada e podia o Brasil, tranquilamente, embalar
esse estado-criança no berço da história.
O General
Belarmino Augusto de Mendonça Lobo nasceu em 1850, na antiga Província do Rio
de Janeiro, filho de Belchior de Mendonça Lobo. Assentou praça, a 4 de março de
1865, no 5° Corpo de Voluntários da Pátria, seguindo para os campos de Guerra
paraguaios, onde participa nos combates dos Fortes Curuzu e Curupaiti, e na
Batalha de Tuiuti (todos em 1867), sendo elogiado por seu comportamento nas
ações militares. Participa, também, das Batalhas de Itororó e de Avaí, o que
lhe valeu a promoção de Alferes, por atos de bravura. Em Lomas Valentinas foi
gravemente ferido e hospitalizado. Recebe, então, elogio do Ministro da Guerra
em nome do Imperador Dom Pedro II.
Após a missão
no Juruá, o relatório do General Belarmino e Mendonça Lobo permaneceu escondido
da história por oito décadas, redescoberto pelo nosso escritor Leandro
Tocantins na década de 80, foi pelo mesmo, sugerida a publicação com o título
´"Reconhecimento do Rio Juruá".
Porém, a
história senhoras e senhores, tem seus cursos sinuosos e vai me ligar de forma
sutil ao meu antecessor. Meu avô Júlio, residente em Xapuri da família Lima,
que veio no barco que trouxe os nordestinos, me ligará diretamente ao meu
antecessor e confrade Jorge Kalume, que veio no barco dos sírio-libaneses. Na
terra de Chico Mendes se misturarão as famílias, Kalume, Eluan, Lima e Brasil,
a qual pertenço, e o rio da história, me levará, no seu curso, a desaguar da
cadeira no. 15, antes pertencente ao ilustre confrade que passo a prestar
minhas homenagens.
Jorge Kalume,
antecessor da cadeira no.15, muita nos orgulha. Nascido em 3 de dezembro de
1920, em Belém do Pará, era filho de Abib Moisés Kalume e de Latife Zaire
Kalume. Sua trajetória liga-se as origens da ocupação das terras do Alto Acre,
e dos migrantes sírio-libaneses que chegaram aqui na virada do século XIX, para
o XX.
Graduou-se
em administração de empresas, foi comerciante em Xapuri, no Acre, e passou a
ser conhecido na cidade. Atuou na Associação Comercial de Xapuri e foi eleito
Prefeito da cidade. Jorge Kalume também foi Deputado Federal, Governador do
Acre, prefeito de Rio Branco e Senador.
No
parlamento apresentou vários projetos, dentre eles, o que cria o Dia da
Cultura, aprovado em 1970, instituindo o dia 05 de novembro para sua
comemoração, em homenagem ao aniversário de Rui Barbosa; e o que cria o Dia da
Amazônia, comemorado no dia 5 de setembro.
Escritor
renomado, é autor de “templo Inesquecível”, “Crônicas do Acre Antigo” e “Dos
Seringais Acreanos ao Congresso Nacional”. Pertence ao Clube dos Pioneiros (da
qual já foi Presidente), a Academia Brasileira de Letras de Brasília e ao
Instituto Histórico e Geográfico de Brasília, além de ser Rotariano. Possui
várias medalhas do Exército, da Aeronáutica e outras de reconhecimento.
Senhoras
e senhores:
Ao contemplar
o sodalício dessa Augusta Academia, a quem mais uma vez presto minhas
homenagens, penso que se deva a um lampejo de coragem e do incentivo de amigos
e amigas como Clara Bader, minha ousadia de levar até o fim a minha
candidatura. O fiz também para honrar o nome do meu pai, um dos fundadores
dessa Academia. Nem de longe meus modestos trabalhos podem se comparar aos dos
confrades que aqui estão, verdadeiros arautos das letras acreanas.
Possuo
trabalhos modestos, quase todos eles de música. Em três deles, que gostaria de
citar aqui, ousei enveredar pelo caminho da literatura e junto com a parte da
orquestra compus os libretos e as poesias. São eles: "Amazônia, o último
sonho", um balé para Butoh, dança-teatro japonesa e recitante, inédita no
Brasil, teve sua estreia no Japão em 1992; minha ópera "Aquiry, a luta e
um povo", sobre a Revolução Acreana, teve sua estreia em 2004 aqui no
Teatro Plácido de Castro e finalmente meu último trabalho, composto em parceria
com Airan de Sousa, o "Espetáculo Interativo Chico Mendes",
apresentado como espetáculo híbrido na SBPC de 2014 na UFAC.
O primeiro
trabalho é composto de 30 cenas e em cada uma delas pelo menos dois poemas
acompanham cada cena. Na segunda, Aquiry, é composta de 29 cenas e também pelo
menos 2 poemas em cada cena. A última é composta de 25 cenas, com dois poemas
em casa cena.
Senhora
Presidente, nosso Estado formou-se das idas e vindas desses barcos, hoje
continuam indo e vindo, mas não mais pelo rio, os barcos hoje correm pelo
asfalto e voam pelos ares. Hoje não são só os nordestinos que chegam, mas
paulistas, gaúchos, mineiros e tantos outros de vários estados. Não somente os sírio-libaneses,
mas povos de vários lugares do mundo são atraídos pela nossa fauna, flora e
cultura. Eu fui um dos que parti, sai do Acre, mas o Acre não saiu de mim. Está
impregnado na minha maneira de ser, nas minhas obras e no meu pensamento.
Para concluir
senhora Presidente, gostaria de recitar um pequeno trecho da minha Ópera
Aquiry, a Luta de um Povo, em homenagem aos bravos seringueiros da nossa terra.
Canto do Seringueiro - Aquiry, a Luta de um
Povo
To chegando com coragem
Esperança na bagagem
De ganhar dinheiro logo
E voltar
Pro patrão já devo antes
De comprar, devo o bastante...
Trabalhar a vida inteira
E não pagar
Raspadeira e cabrita
Lâmina, balde e tubiba
Tijelinha e sarrapilha
A transbordar
Espingarda e poronga
Sal e fumo e bornal
Tudo faz a minha dívida aumentar.
Ah! Como vou voltar
Pro meu Ceará
Isto eu não sei
Ah! Mas quando eu voltar
Que eu volte como
Se fosse um rei
II
Quatro horas, madrugada.
Galo canta no roçado
A mulher já está acordada
A trabalhar
Seringueiro se prepara
Espingarda não esquece
O café que lhe aquece
Quando há
Depois disso pé na estrada
Seringueira é sua amada
Que o cabresto afiado
Faz chorar
Leite, seiva dessa vida.
Vai jorrando da ferida
Saco cheio, já é hora.
De voltar
Ah! Como vou voltar
Pro meu Ceará
Isto eu não sei
Ah! Mas quando eu voltar
Que eu volte como
Se fosse um rei
III
Cavalete aprumado
No mourão já bem fincado
Cavador começa agora
A rodar
Derramando com cuidado
Leite e seiva dessa vida
Construindo a péla viva
A defumar
Desce o rio se aprumando
Na borracha que boiando
Vai levando a sua vida
Ao barracão
Vende tudo num instante
Compra mais lá adiante
Tudo faz a sua dívida
Aumentar
Ah! Como vou voltar
Pro meu Ceará
Isto eu não sei
Ah! Mas quando eu voltar
Que eu volte como
Se fosse um rei
A maioria
jamais retornou, criaram raízes nessas terras e nós somos os frutos dessa
odisseia acreana. Muito obrigado!
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