Palestra NA FAAO em 30/08/2016
Prof.ª Dr.ª Luisa Galvão Lessa Karlberg
Professora DCR/CNPq/FAPAC
Presidente da Academia Acreana de Letras -
AAL
1 - O DISCURSO
O termo discurso
admite muitos significados. O mais conhecido deles é do discurso como uma exposição metódica
sobre certo assunto. Um conjunto de ideias organizadas por meio da linguagem,
de forma a influir no raciocínio, ou quando menos, nos sentimentos do ouvinte
ou leitor.
Outro
significado corrente -- muito usado entre os linguistas, cientistas sociais e estudiosos da Comunicação
- como Michel Foucault e Émile Benesviste - porém menos difundido -- é
do o discurso como algo que sustenta
e ao mesmo tempo é sustentado pela ideologia de um grupo ou instituição
social. Ou seja, ele é
baseado em um conjunto de pensamentos e visões de mundo derivados da posição
social desse grupo ou instituição, que permitem que esse grupo ou instituição
se sustente como tal em relação à sociedade, defendendo e legitimando sua
ideologia, que é sempre coerente com seus interesses.
O termo discurso é
ainda reivindicado por linguistas, psicólogos, antropólogos e sociólogos de
diversas orientações teóricas. Assim, ora aparece associado a perspectivas
cognitivistas, ora a concepções interacionistas, pragmáticas etc.
1.1 - O discurso
segundo Aristóteles
Aristóteles,
em seus estudos, tipifica quatro espécies de discurso, segundo sua finalidade,
ordenando-os segundo o grau de rigor que o método produz. A concepção de
discurso tratada por Aristóteles se liga mais à primeira acepção da palavra,
conforme explicado anteriormente.
- O discurso lógico, que é o método pelo qual se atinge a uma certeza no qual o axioma resultante é tido como verdadeiro e indubitável, pode ser produzido mecânica ou eletronicamente por engenhos e tem indispensável aplicação, principalmente, na matemática.
- O discurso dialético, que embora não objetive alcançar a certeza absoluta, tenta obter a máxima probabilidade de certeza e veracidade que se verifica da síntese entre duas afirmações antagônicas, a saber a tese e sua antítese.
- O discurso retórico, onde não há o menor comprometimento na busca da verdade, nem da sua demonstrável probabilidade. Aqui o orador ou escritor objetiva apenas convencer o ouvinte ou leitor de que sua tese é certa ou verdadeira, utilizando-se do modo de falar, dos gestos e até da maneira de se vestir como fatores para influenciá-lo ou persuadi-lo.
- O discurso poético, quando o grau de certeza ou veracidade nada importa, ou melhor, até pode laborar contra o discurso posto que aí a razão é abandonada em favor da ficção ou da fantasia. Neste método o que se busca é influir na emoção e não no raciocínio do ouvinte ou leitor, como modo de impressioná-lo.
1.2 - Discurso segundo Émile
Benveniste
Para o linguista francês Émile Beneviste, o discurso é a expressão da
língua como instrumento de comunicação. Ele foi responsável pelo
desenvolvimento da Teoria Enunciativa, em que define enunciação como a
necessidade de referir pelo discurso. A enunciação é entendida como um processo
pelo qual o sujeito do discurso mobiliza a língua por sua própria conta, ela
converte a língua em discurso pelo emprego que o locutor faz dela,
semantizando-a. Simplificando, a enunciação é a discursivização da língua.
Uma das principais
críticas ao conceito benvenistiano de discurso vem de Michel Pêcheux,
em sua obra Semântica e discurso, na qual afirma que esse conceito
funda-se em distorções individuais, escapando do processo de produção por uma
variedade ilimitada própria da fala, tornando-se um avatar dela.
1.3
- Discurso segundo Michel Foucaul
Em A Ordem do Discurso, de 1970, Michel Foucault
analisa a formação e manutenção dos discursos baseando-se nos tensionamentos de poder e
controle social.
Para o autor, o discurso
atravessa todos os elementos da experiência, pois o discurso está em todo
conjunto de formas que comunica um conteúdo, qualquer seja a linguagem à qual pertençam. Segundo Foucault, mais importante que o conteúdo dos
discursos, é o papel que eles desempenham na ordenação do mundo: um discurso
dominante tem o poder de determinar o que é aceito ou não numa sociedade,
independentemente da qualidade do que ele legitima. O discurso dominante não
está comprometido com uma verdade absoluta e universal. Pelo contrário, é ele
que produz a verdade (logo, esta é arbitrária), que legitima um certo
campo de enunciados e marginaliza outros - num processo que o autor chama de partilha
da verdade.
1.4 – Pessoas do Discurso Científico
Segundo Orlandi (1992, p.20),discorrer acerca das pessoas relativas ao discurso
científico significa relembrar algumas noções gramaticais. Pessoas do
discurso equivalem às pessoas gramaticais, utilizadas para que a comunicação
possa ser materializada.
Dessa forma,
didaticamente, temos a primeira pessoa – representada por aquela que fala; a
segunda – fazendo referência àquela com quem se fala; e a terceira – aquela de
quem se fala. Tais elucidações nos levam a questionar acerca da forma pela qual
se deve traçar o perfil de nosso discurso enquanto pesquisadores, ou seja, se
se trata de algo que servirá ao conhecimento coletivo, ele deverá primar pela
objetividade ou pela subjetividade?
Foquemos, pois, na terceira
pessoa (referente àquela de quem se fala). Trata-se das pessoas gramaticais
“ele/ela”, as quais tanto podem se referir a uma pessoa propriamente dita,
quanto a um objeto. Eis, então, que na pesquisa o “objeto” é normalmente o
assunto a ser explorado, a temática que será investigada.
1 5 - A
linguagem comum e a linguagem científica
A
linguagem científica tem características próprias que a distinguem da linguagem
comum. Essas características não foram inventadas em algum momento determinado.
Ao contrário, foram sendo estabelecidas ao longo do desenvolvimento científico,
como forma de registrar e ampliar o conhecimento. Essas características, muitas
vezes, tornam a linguagem científica estranha e difícil para os alunos.
Reconhecer essas diferenças implica em admitir que a aprendizagem da ciência é
inseparável da aprendizagem da linguagem científica.
Enquanto
na linguagem comum predominam narrativas que relatam sequências lineares de
eventos, a linguagem científica congela os processos, transformando-os em
grupos nominais que são então ligados por verbos que exprimem relações entre
esses processos. A linguagem científica é, portanto, predominantemente,
estrutural enquanto que a linguagem cotidiana é linear, apresentando uma ordem
sequencial que é estabelecida e mantida.
Na
linguagem científica, o agente normalmente está ausente, o que faz com que ela
seja descontextualizada, sem a perspectiva de um narrador. Na linguagem
cotidiana, o narrador está sempre presente.
O discurso científico é essencial para a ciência;
romper com as opiniões, com o imediatismo, com a ordem do real e buscar a
objetividade e universalidade faz parte da constituição da ciência e sua
diferenciação em relação aos demais saberes, ao cotidiano e ao senso comum:
“Para se constituir, a ciência tem que romper com as evidências e ‘códigos de
leitura’, do real que elas constituem, inventando um novo código, constituindo
um novo ‘universo conceitual’, um novo sistema de novos”.
A linguagem científica é uma metalinguagem,
constitui-se de códigos de circulação restrita à comunidade científica,
dominados apenas por seus membros,através de extenso treinamento – em si, um
processo de assujeitamento a uma formação discursiva específica, própria para o
exercício da ciência, através de mecanismos de controle dos sentidos permitidos
e não permitidos, de verdade e não-verdade.
Os códigos que constituem essa metalinguagem se
apresentam ilusoriamente neutros, objetivos, lineares e a-históricos. O
cientista se submete à memória do seu saber e se assujeita, se relacionando com
essa memória, assimilando o que pode e deve ser dito e o que não pode,
ocorrendo aí a inscrição do sentido na história (Orlandi, 1997, p. 30). O
discurso científico é, portanto, um discurso próprio a ser interpretado dentro
de uma formação discursiva específica.
1.6 - Discurso e dinâmica científica
Segundo
Campanario (2004a), apesar da comunicação científica (revisão e publicação em
revistas especializadas) desempenhar um papel crucial na dinâmica da ciência,
características presentes nos textos científicos, como os inúmeros recursos que
autores empregam para convencer os leitores de determinadas interpretações de
seus dados e resultados, raramente recebem atenção por parte daqueles que
estudam e/ou fazem a ciência. A aprendizagem acerca da mecânica das publicações
e de sua importância para um cientista é promovida geralmente de forma
implícita ou não planejada durante o percurso de formação de um pesquisador
(CAMPANARIO, 1999). Dessa forma, os estudantes de ciências – inclusive no nível
universitário – tendem a ler, aceitar e reproduzir passivamente os conteúdos e
recursos linguísticos presentes nos textos científicos.
Coracini
(2007) também chama a atenção para a atitude passiva dos alunos diante de
textos da área: raramente questionam seus conteúdos, conclusões, metodologia,
objeto de estudo; não se dão conta do efeito de “camuflagem enunciativa”. Nesse
sentido, a autora defende a necessidade de se criar condições para que o aluno
não faça uma leitura ingênua do texto científico, isto é, que não se deixe
envolver pelas estratégias manipulatórias da linguagem que conferem ao texto a
aparência de objetividade e imparcialidade [...]. O simples questionamento das
formas linguísticas do texto científico possibilita ao aluno uma melhor compreensão
dos processos de produção do sentido e seu posicionamento com relação à sua
própria atividade (CORACINI, 2007, p.183-184).
Por
outro lado, o discurso científico também revela algumas marcas linguísticas de
subjetividade. Conforme Campanario (2004b), os autores não desaparecem como um
todo: estão ali, argumentando sutilmente e orientando o leitor para que siga o
caminho que conduz às interpretações que desejam transmitir.
Segundo
Campanario (2004b) e Coracini (2000) é possível observar a presença do autor no
texto científico quando este: (a) eventualmente revela-se através de pronomes
pessoais; (b) assume sua pesquisa justificando a escolha do tema ou do
material; (c) admite algumas limitações da pesquisa; (d) avalia a ocorrência de
um fenômeno ou resultado (manifesta um juízo de valor); (e) faz hipóteses,
sugestões; (f) sugere novas pesquisas; ou (g) faz um apelo direto ao leitor
usando formas imperativas.
1.7
- Manipulação das citações bibliográficas
Uma análise mais profunda do discurso
científico pode rever outros recursos que são habilidosamente acrescentados ao
texto, como, por exemplo, as estratégias de “manipulação” das citações
bibliográficas apresentadas. Segundo Latour (2000), as principais estratégias
dessa natureza são:
a) fortalecimento dos trabalhos
similares ao do autor;
b) “ataque” às referências que possam
opor-se à tese do autor;
c) fortalecimento de um artigo para
enfraquecer um outro que esteja em oposição ao trabalho do autor;
d) oposição de contra-argumentos de tal
maneira que um invalida o outro.
1
8 – Qualidades da Redação científica
Principais qualidades da redação científica
Correção:
1) Uso correto do idioma;
2) Concisão: síntese, brevidade;
3) Clareza: transparência;
4) Objetividade: direto, sem considerações
pessoais;
5) Imparcialidade: Justo, sem motivações pessoais;
6) Precisão: exatidão, rigor;
7) Harmonia: ordem, consonância;
8) Originalidade: singular, único;
9) Vigor: força Simplicidade: natural,
compreensível;
10) Função informativa: use linguagem positiva.
1.9 - Como melhorar a redação de um
texto científico
a) Eliminar palavras desnecessárias;
b) Evitar repetições;
c) Evitar uso de adjetivos e advérbios;
d) Utilizar palavras curtas (sinônimos);
e) Evitar expressões longas;
f) Usar voz ativa;
g) Usar ordem direta das palavras;
h) Adotar um padrão, quando citar várias opções;
i)
Evitar o uso de termos pouco comuns.
1. 9
- Padronização rígida da organização textual
Mesmo quando sem uma imposição explícita das normas às quais o
texto deve se adequar, o autor geralmente se mantém fiel à padronização que
costuma ser seguida pela comunidade científica (CORACINI, 2007). Esse aspecto
facilita seu processo de leitura, uma vez que o texto apresenta elementos já
conhecidos pelo leitor da área. No texto, essa característica manifesta-se das
seguintes maneiras:
a) divisão em seções típicas e em sequência definida;
b) limitações quanto ao tamanho do texto;
c) padronização na forma de apresentação das citações e
referências bibliográficas;
d) padronização na forma de apresentação de figuras,
tabelas e suas legendas.
1.10 - Pressuposta existência de contra-argumentos
A análise de textos científicos demonstra que o autor tenta
prever as objeções do leitor e, dessa forma, antecipa suas respostas (LATOUR,
2000). Sobre esse aspecto, Coracini (2007) ressalta que o autor estabelece sua
demonstração em função dos possíveis argumentos contrários apresentados pelo
interlocutor. Nesse sentido, inúmeros recursos e informações são acrescentados
ao texto para ter seu trabalho aceito por seus pares, diante de todas as
possíveis contestações do leitor.
1.
11 - Uso de vários tipos de citações e
referências bibliográficas
Embora as citações e referências bibliográficas se constituam
em uma exigência da comunidade científica, tal fato não invalida seu uso como
recurso retórico, persuasivo. Ao contrário. O autor serve-se de uma convenção
para melhor atingir seu objetivo: convencer o leitor da veracidade e
importância de sua pesquisa (CORACINI, 2007). Sobre esse aspecto, Latour
ressalta que “uma monografia sem referências é como uma criança desacompanhada
a caminhar pela noite de uma grande cidade que ela não conhece: isolada,
perdida, tudo pode acontecer-lhe” (LATOUR, 2000, p.58).
1.12
- Manipulação das citações bibliográficas
Uma análise mais profunda do discurso científico pode rever
outros recursos que são habilidosamente acrescentados ao texto, como, por
exemplo, as estratégias de “manipulação” das citações bibliográficas
apresentadas. Segundo Latour (2000), as principais estratégias dessa natureza
são:
a) fortalecimento dos trabalhos similares ao do autor;
b) “ataque” às referências que possam opor-se à tese do autor;
c) fortalecimento de um artigo para enfraquecer outro que
esteja em oposição ao trabalho do autor;
d) oposição de contra-argumentos de tal maneira que um
invalida o outro.
REFERÊNCIAS
CAMPANARIO, J.M. Cientificos
que cuestionam los paradigmas dominantes: algunas implicaciones para la enseñanza de las
ciencias. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v.3, n.3,
p.257-286, 2004a.
CAMPANARIO, J.M. Algunas
posibilidades del artículo de investigación como recurso didáctico orientado a
cuestionar ideas inadecuadas sobre la ciencia. Enseñanza de las ciencias, v.22, n.3, p.365-378, 2004b.
CAMPANARIO, J.M. La
ciencia que no enseñamos. Enseñanza
de las ciencias, v.17, n.3, p.397-410, 1999.
CORACINI, M.J. Um fazer persuasivo: o discurso subjetivo da
ciência. Campinas: Pontes Editores, 2007.
ORLANDI, E. P. Discurso e Leitura. 1988. São
Paulo, Cortez.
ORLANDI, E. P. As Formas do Silêncio:
no Movimento dos Sentidos. 1992.Campinas/SP, Editora da Unicamp.
ORLANDI, E. P. 1997. Leitura e Discurso Científico. Cadernos Cedes. Campinas, ano XVII,
nº 41, pp. 25-35.
POSSENTI, S. 1997. Notas sobre Linguagem Científica e Linguagem Comum. Cadernos Cedes. Campinas, ano XVII,
nº 41, pp 09-24.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo,
Loyola, 1996
PÊCHEUX. Michel. Semântica e discurso: uma crítica à
afirmação do óbvio. Campinas, Editora da UNICAMP, 1995.
LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir
cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora UNESP,
2000.
SANTOS, B. S. S. Introdução a uma Ciência Pós-Moderna.
1989. Rio de Janeiro, Edições Graal.
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