12/09/2016

DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO Prof. Dr. Alvaro Sobralino de Albuquerque Neto, cadeira nº 31 - AAL, em 15 de junho de 2004, e Discurso em homenagem ao Centenário de J.G. de Araújo Jorge, na cidade de Tarauacá, ano 2014- Acre




Prof. Dr. Álvaro Sobralino de Albuquerque Neto (dois importantes Discursos)



ACADEMIA ACREANA DE LETRAS
MEMORIAL DOS AUTONOMISTAS
THEATRO HÉLIO MELO


DISCURSO DE POSSE NA CADEIRA Nº 31
ACADÊMICO PROF. DR. ALVARO SOBRALINO DE ALBUQUERQUE NETO


Presidente da Academia Acreana de Letras, Prof. Dr. Clodomir Monteiro
Demais autoridades, convidados e familiares presentes.

Ao tomar posse da Cadeira nº 31 da  Academia Acreana de Letras, sinto-me honrado e agradecido da votação obtida de parte dos imortais desta Academia.
Se a lisonja é grande, imensa é a responsabilidade que agora assumo, “De tudo fazer para o engrandecimento desta Entidade”.
A Cadeira nº 31 tem como Patrono o Poeta Juvenal Antunes, e como Fundador o Professor Joaquim Rufino Soares. Meu antecessor foi o Jornalista José Chalub Leite, o conhecido Zé Leite.
Juvenal Antunes (O Patrono) e “Zé Leite” (O Antecessor) têm algo em comum. Ambos morreram jovens, aos 58 anos, em plena produção intelectual. Donos de humor satírico e críticos mordazes dos aduladores. O desapego material também era uma identidade comum aos homenageados aos quais dedico as seguintes palavras.

JUVENAL ANTUNES (1883/1941)
Poeta Potiguar admirável, intelectual de humor ferino, “andarilho” e boêmio por opção. Tido como o “rei da pornografia”, só produzia intelectualmente quando embriagado.
Autor de “elogio da preguiça”, nasceu em Ceará-Mirim (RN),em 1883 e faleceu em Manaus (AM) em 1941, quando retornava para Natal (RN).
Juvenal Antunes foi um intelectual que encheu de brilho o Velho Acre e promovia bacanais homéricos no Hotel Madrid, onde residia, no 2º Distrito.
Cético e Materialista, descrevia sua última viagem assim: “Quando eu morrer, não quero ir para o Céu. Jamais suportaria o ambiente chato do Céu, com São Pedro fazendo rabugices e onze mil virgens entoando cânticos sacros. Jamais! ... Quando morrer, quero ir para o inferno! Isto sim! Ali encontrarei todas as almas devassas, todas as pecadoras, todas as mulheres perdidas, todas as prostitutas do mundo. E aí é que vou gozar de verdade!”.

JOSÉ CHALUB LEITE (1939/1998)
José Chalub Leite era o filho primogênito do casal Miguel de Freitas Leite e Maria Chalub Leite. Pai de Tereza Cristina, Aryzinho e Artur César, “riquezas eternas do meu existir”.
Nascido em Rio Branco (AC), em 13-12-1939, faleceu aos 58 anos (29-03-1998), fulminado por um infarto agudo do miocárdio.
O também jornalista Antonio Stélio, no prefácio do livro “Tão Acre’ (1992), descreve Zé Leite como “Um acreano entronizado no gurinismo de nosso jornalismo amazônico, maroto, cabloco” e que quando escrevia, produzia “textos elaborados como um escultor esculpe a madeira”.
Dedicado aos “causos” de nossa gente, Zé Leite se enquadra no que muitos escritores denominam de Realismo Fantástico, “porque fantástico são os fatos. Fantástica é a realidade. Afinal, o fantástico está aqui”.
Zé Leite dizia que “se não fosse jornalista, queria ser jornalista”. Esta era a sua vocação irremediável que teve início na década de 60, num seminário estudantil. Ele dizia “o jornalismo me realizou, mas não me enricou. Também para quê? Quando morrer não quero nada que não caiba no meu caixão”.
Na atividade jornalística, Zé Leite fundou vários semanários, como: O Estudante, Folha Estudantil, A Vanguarda, Jornal do Acre, A Gazeta, O Imparcial, A Bola e A Bola em Revista. Colaborou com os jornais Tribuna do Povo, O Estado do Acre e O Estado. Criou O Chute (4 números). Editou o semanário O Jornal. Foi editor de esportes, diretor geral e editor do jornal O Rio Branco. Durante alguns anos foi correspondente da Revista do Esporte (Manaus), Veja, Placar, O Globo, O Cruzeiro. Fundou a Associação dos Cronistas Esportivos do Acre e a Federação Acreana de Pugilismo.
Foram mais de três décadas de jornalismo “de muito chão, lotadas de alegrias e decepções, mil ilusões perdidas, com direito à percepção de reconhecer os verdadeiros amigos e a certeza de ter, no dia-a-dia das redações, ter ajudado a escrever a história acreana”.
Sobre sua obra Tão Acre, escrita em 1992, Zé Leite afirmava ser um “Jamaxi de gargalhadas, varadouro de humor, jirau de “causos”, poronga de folclore, sapupema de alegria, cuia-pitinga de gaiatice, piracema de verve, varadouro de chiste, repiquete do jocoso, banzeiro do picaresco, tapiri de semiologia, açude do riso antológico acreano na bubuia satírica, espirituosa e histriônica que sabe demais ao coração e gostosamente à alma de nossa gente sofrida e largada nos confins do extremo oeste do Brasil”. Nesta obra, Zé Leite afirma que “o que não acontece no Acre, não acontece em lugar algum do Brasil: cambista de bicheiro faz greve; médico em Sena Madureira atesta gravidez de homem de 70 anos; motorista de táxi dá carona; prefeito inaugura quebra-molas com banda de música e foguetório; prostituta tem orgasmo múltiplo... e dá de graça; Reitor da UFAC manda abrir inquérito para descobrir quem fez cocô na piscina; Preso escapa do presídio serrando barra de ferro com gilete; “mucura de dois pés” come, numa noite, 1.666 galinhas do governo...e fica por isso mesmo”.    

Muito obrigado.
Rio Branco, Acre em 15 de junho de 2004.
42 anos de Emancipação do Estado do Acre



“Salve J. G. de Araújo Jorge”.

Prof. Dr. Alvaro Sobralino de Albuquerque Neto.
(Cadeira Nº. 31 da AAL)

          Festejamos nesta data o centenário de José Guilherme de Araújo Jorge, nascido no dia 20 de maio de 1914, na antiga Vila Seabra, atual município de Tarauacá. Conhecido no Brasil e no exterior como J. G. de Araújo Jorge, iniciou sua formação escolar em Rio Branco, capital do Estado do Acre, continuando no Rio de Janeiro, onde concluiu sua graduação em Direito na antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ. Prosseguiu seus estudos em Coimbra, ocasião em que lhe foi outorgado o título de “estudante honorário” e em Berlim, na Alemanha, onde concluiu um curso de Extensão Cultural.
          J. G. de Araújo Jorge ficou conhecido como o “Poeta do povo e da mocidade”, pela sua mensagem social e política e por sua obra lírica, de linguagem simples, impregnada de romantismo moderno, mas às vezes dramático.
          Eleito Deputado Federal pelo MDB (atual PMDB), no Rio de Janeiro, exerceu suas atividades parlamentares de 1970 a 1978. Homem de múltiplas atividades foi compositor, jornalista, publicitário, locutor, redator de programas radiofônicos, professor de História e de Literatura no colégio D. Pedro II. Também compôs lindas canções, das quais se destacam: “Confessando que te adoro” e “Meu amigo violão”, ambas interpretadas por Silvio Caldas e “Indiferença”, gravada na voz de Carlos Galhardo.
          Seu primeiro poema, intitulado “Ri, palhaço”, foi publicado no jornal Correio da Manhã (1931), quando o autor tinha somente 17 anos de idade. Daí em diante publicou dezenas de obras, inicialmente líricas, destinadas aos corações enamorados. J. G. fala à alma de toda gente porque traduz seus desejos, angústias e esperanças.
          Com a publicação de “Canto da Terra” (1945), a poesia jorgeana chega a ser situada no plano de Castro Alves. Desta obra destaca-se o poema intitulado “Vergonha” como um dos mais belos da coletânea.
          De acordo com o jornal O Globo, a publicação de “Estrela da Terra” (1947), eleva J. G. de Araújo Jorge à categoria de um Neruda. No mesmo sentido o romeno Stefan Baciu afirmou na ocasião que “É hoje comum, em certos círculos literários da Europa, falar-se do poeta chileno Pablo Neruda. De idêntico valor, como intérprete do ardente coração sul-americano, da pobreza de sua gente, do sentimento humano e da beleza deste continente, é J. G. de Araújo Jorge. Estrela da Terra é, sem dúvida, um dos mais belos e fortes poemas, traduzido para vários idiomas”. Desta coletânea, “Monólogo” se destaca por sua contemporaneidade.

“MONÓLOGO”
Meu filho,
Se te dissesse que poderia haver um mundo de duas classes.
Em que uns trabalham e outros não,
E os que trabalham, mendigam, passam fome,
E os inúteis gozam e desperdiçam,
Se te dissesse que poderia haver um mundo em que uns têm tudo: pão, remédio, crianças, futuro.
-Já nasceram proprietários do futuro!
E os outros não têm nada,
Nem mesmo os meios para a luta,
A grande luta desigual.

Se te dissesse que nesse mundo há homens de automóveis, tapetes, mulheres perfumadas,
E homens na chuva, ao relento e mulheres nas calçadas,
E aos primeiros não causa a menor impressão tal acontecimento,
E os outros não se revoltam – estendem apenas a mão vazia
E exalam lamúrias.

Se te dissesse que a justiça e a fé são mercadorias inacessíveis aos realmente necessitados:
E o Direito é apenas a lei que manterá tal estado de coisas:
E há homens que jogam a riqueza pelo prazer de jogar
E outros que a mereciam e morrem sem conquistá-la.

E se te dissesse que apesar de tudo, esse mundo existe realmente,
E vive, e progride, e avança, havias de me dizer: impossível, meu pai,
Um tal mundo jamais poderia existir nem poderia a vida afinal, ser tão má!
Entretanto, meu filho, basta abrires teus olhos.
Aí está – parece incrível, não é? – mas aí está.  

          Em “A outra face” (1949), há uma transformação na poética jorgeana que passa a manejar o verso com maior liberdade rítmica, e com uma tendência subjetiva, evitando o parnasiano descritivo. Romântico e socialista, é o poeta moderno que interpreta seu tempo e vê sua mensagem cumprir sua missão.
          Em 1986, onze meses antes de seu falecimento, J. G. de Araújo Jorge publicou sua última obra, intitulada “Tempo será”, na qual consta o poema “Finados”.

“FINADOS”
Mãe, hoje é dia de finados.
Não, não é remorso.
 Neste momento leio nos jornais que milhares de criaturas se atropelam nos cemitérios levando flores a seus mortos.

Não vou lá, mãe. Não gosto de cemitério.
Lá não sei te encontrar, nem me sinto em paz, perdido entre multidões...
E sofro de imaginar-te imóvel, prisioneira num gavetão de concreto empilhado num muro branco, de lamentações...

Não, mãe, não me sinto em paz,
Nem adianta procurar-te em meio a tanta gente estranha,
Misturar tua imagem tão viva quando te penso viva,
Com a lembrança da morte que deforma e desfigura
E com lutos e flores convencionais.

Ah, depois que partiste, não gosto de pensar onde te encontras,
Em minha aflição, hás de ter a certeza de que todo dia
É dia de finados em meu coração.

          Finalizando, reafirmo o que já foi dito sobre  J. G. de Araújo Jorge, O tempo ‘secou’ sua pena, calou sua voz, mas seu legado de amor, fé e perseverança, ficará para sempre entre nós.

Muito Obrigado.
Tarauacá – Acre, Maio de 2014.



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