13/12/2019

DISCURSO DA PRESIDENTE DA ACADEMIA ACREANA DE LETRAS POR OCASIÃO DA POSSE DE 5 NOVOS IMORTAIS


Excelentíssimos Imortais do Sodalício da Academia Acreana de Letras, Autoridades presentes ou representadas, senhoras, senhores.

Caríssimos imortais que nesta noite adentraram a esta Augusta Casa: Deise Torres, Enilson Amorin, Jefferson Cidreira, Maria José de Oliveira, Sebastião Isac de Melo

Tendo a cultura das letras e o saber emanado delas, como Presidente desta instituição eu não poderia saudá-los se não conhecesse a escrita. Não poderia ter votado em Vossas Excelências. Não estaríamos, aqui, reunidos se não existisse a escrita, essa ferramenta fantástica que veste e anima o pensamento humano e ilumina, na noite de hoje, a Academia Acreana de Letras, neste rito solene, na semana de aniversário de 82 anos, a contar de 1937.
 Permitam-me, caríssimos acadêmicos, percorrer, um pouco, os caminhos da escrita, a importância do livro na constituição das culturas das sociedades humanas. Somente desta forma estarei saudando a poetiza e bacharel em Direito Deise Torres, o historiador, chargista, jornalista e literato infantil Enilson Amorim, o historiador e poeta Jefferson Cidreira, o teólogo, poeta e cordelista  Sebastião Isac de Melo, a professora, pedagoga, poeta e literata infantil Mazé Oliver, personalidades que nesta noite usam, pela primeira vez, a veste talar da Academia Acreana de Letras.
Vemos o longo passo da difusão da cultura oral para a cultura escrita, que levou entre 25 a 30 séculos. Repentinamente, com a televisão e o computador, é possível ao jovem, de hoje, passar da cultura oral para uma nova forma de cultura, a visual, algo, antes, nunca imaginado. Da mesma forma, como nos templos pré-históricos, as pinturas representavam a caça, a vida e a morte, cenário de um ritual. A televisão, hoje, mostra imagens abstratas e pode criar pseudos-fatos, envolvendo a toda gente, como uma espécie de feitiçaria.
O computador também mostra à criança, que mal sabe falar, mas sabe “clicar o mouse” para “navegar na internet”. Dominado pelo efêmero, pelo instantâneo, o computador — e sou uma usuária que o explora — ele não fixa conhecimento como faz a escrita. A escrita, bem representada nos livros é a mais importante descoberta do ser humano porque eternidade a memória.
Platão fez Sócrates refletir com Fedro o problema da linguagem escrita, contando uma lenda egípcia que dizia assim: - quando Thot inventou os números, a astronomia, e finalmente a escrita., as levou ao rei de Tebas, Thamus, e as explicou uma a uma, defendendo sua utilidade. Quando chegou na escrita, falou assim: ‘Oh rei! essa invenção tornará os egípcios mais sábios e reterá a sabedoria em suas memórias; eu descobri um remédio contra a dificuldade de aprender e recordar.’O Faraó ouviu e respondeu: o livro produzirá nas almas o esquecimento dos que tiverem conhecido a sabedoria, fazendo com que negligenciem a memória; confiando no livro, eles deixarão os caracteres materiais ao cuidado das lembranças e não da sabedoria”. Dás a teus discípulos a sombra da ciência e não a ciência. Quando eles tiverem aprendido muitas coisas sem mestres, eles acreditarão serem sábios, mas serão, em geral, ignorantes e falsos sábios, insuportáveis no trato da vida”
 É duro ler estas palavras e perdoar o Faraó. E, nesta hora eu penso no perdão, o que ele significa na vida humana: Devíamos ter aulas de perdão desde o jardim de infância. Essa sim seria uma grande matéria de cunho intelectual que faria de nós, seres humanos, muito mais úteis, capazes e felizes. Perdoar não é um ato de bondade e sim de inteligência! Carregar fardos é para os burros!
Mas vamos adiante! Esta questão do que é a sabedoria é a grande agonia do tempo atual, da sociedade da informação, em que faz chover como tempestade, e inunda as pessoas de tanta informação, assim como a enchente que invade o rio. Mas a civilização se fez, desde a Mesopotâmia e a China, nestas pequenas representações da linguagem, capazes de se preservar e transmitir, cacos e fragmentos que hoje emocionam como o começo da história.
A tecnologia da escrita foi usada, desde o começo, como instrumento de poder. Claude Lévi-Strauss Disse: “a escrita é usada para facilitar a escravidão de outros seres humanos”. Desde o começo a escrita esteve associada com a estruturação das sociedades, a formação de hierarquias internas e externas. A capacidade de aprender sem mestre, a questão do faraó, foi, desde o começo, uma das grandes façanhas da escrita. Mas a verdadeira façanha foi acelerar a velocidade em que o conhecimento, a informação, mas, também, sabedoria é transmitida. O livro... o livro... o livro.
Hoje, as línguas que passaram milênios para se formarem, e séculos para encontrar sua expressão escrita, são substituídas por programas binários. Num pequeno pen-drive, que caberia na palma da mão, podem ser acumulados todos os livros que já foram escritos. Busca-se o conhecimento com a facilidade oposta à dificuldade que se tem de encontrar a sabedoria, como previa o faraó.
O próprio Bill Gates chamou a atenção de que é preciso saber ler e escrever para criar o computador. Sem o livro não há o computador, como não há o conteúdo do computador. O caminho para a civilização passa pelo livro. O livro abre a porta do conhecimento, da ciência, da arte. O livro transforma o efêmero em permanente, o humano em imortal. Assim caminham Deise Torres, Enilson Amorim, Maria José Oliveira, Jefferson Cidreira, Sebastião Isac de Melo. Quão belos são vossos livros. Quão bela é esta noite que vos acolhe, diplomados e inscritos no livro da imortalidade! Vossos livros vos trouxeram para a Academia Acreana de Letras, para a imortalidade.
Os livros encantam o mundo há séculos. A biblioteca de Alexandria reuniu o conhecimento no mais ambicioso projeto cultural da humanidade. Não apenas se armazenavam os livros e as ideias, mas eles eram traduzidos, retraduzidos, copiados, estudados, divulgados.
Em Roma, os “primeiros homens” deviam ser, ao mesmo tempo, escritores. Era parte essencial de sua reputação a qualidade do que escreviam. Assim, a memória de Cícero e César encontra a de Virgílio e Plutarco.
A leitura e o livro caminham. Na Idade Média a cópia era uma arte, os livros e as bibliotecas eram preciosidades. Foi quando chegou a revolução de Gutenberg. Com a imprensa, começaria a difusão do conhecimento, e, pouco a pouco, o ler e o escrever foram se encontrando.
O livro de Gutenberg, livro de papel, impresso com tinta, é a maior invenção tecnológica da humanidade, um modelo perfeito, não precisa de modificação. Pode ser feito em mil e uma variedades, mais bonito ou mais feio, barato ou caro, de luxo ou de bolso, em tiragem limitada ou em milhões de exemplares, em chinês, russo, norueguês, basco, português. Saber ler — e ler o livro — é a mais básica das necessidades.
O papel foi o primeiro aporte tecnológico inventado. Mas a máquina de Gutenberg, com o tipo metálico móvel, muda a escala do possível. Foi assim que Montaigne pode ler, em alguns meses, mais livros do que qualquer erudito antes dele.
Outro avanço: o livro impresso. Quando, em 1310, Dante escreve a Divina Comédia, em italiano, em vez de latim, e louva a poesia provençal, faz um enorme desafio à sociedade culta. O Estado surge em livros: Maquiavel, Montaigne, Hobbes, vão dialogar com om público. E é o Estado, construído pelos políticos leitores — e autores destes livros -- que vão controlar a liberdade de imprensa, identificando no livro o elemento de debate sobre uso do poder.
No final do século XVI, surge o jornal. Blaise Pascal monta uma rede de impressores clandestinos para desafiar o poder da polícia de Richelieu e a autoridade de Louis XIV. Pela primeira vez, impressos piratas, contestando abertamente o Estado, circulavam em grande quantidade, com tiragem de 10 mil exemplares. Reunidas, as Lettres de Pascal se transformam no livro mais popular do século XVII = o jornal.
Assim, caríssimos acadêmicos, a relação entre o livro e o conhecimento é ainda mais profunda que do livro com a política: ele não só difunde o que já foi descoberto, como muda a circulação do conhecimento.
É sob o signo do livro que José Bonifácio viaja pela Europa na complementação de seus estudos. Foi o signo do mecenato que levou Francisco I a patrocinar Leonardo da Vinci; Cristina da Suécia a chamar, para seu lado, Descartes e Vieira; Catarina II a se corresponder com Voltaire. Assim, os políticos que recriam o mundo, como em Roma, veem o livro como instrumento fundamental. A difusão do livro, da tecnologia do poder, abriu caminho para a democracia. Foi a ampla circulação das ideias das revoluções francesa e americana, da liberdade, da igualdade, da fraternidade, do nacionalismo que, pelo mundo inteiro, se espalhou na forma de novos países e novos regimes. Surge a Alemanha, a Itália, a Bélgica, os países latino-americanos.
O livro é, portanto, o instrumento fundamental da democracia, seja ela estruturada em forma de Estado ou simplesmente o acesso aos bens sociais. O livro é sinônimo de educação. E é de Confúcio a máxima: “onde houver boa educação, não há distinção de classes”. A sabedoria milenar já nos aponta o caráter libertador da educação. Através dela, e só através dela, a ascensão social se torna igualitária.
            É, desse modo, grandioso o valor do livro. E como Vossas Excelências conhecem o valor dos livros, chega de história. Não vou mais cansá-los. Eu a percorri, em parte, para valorizar a chegada de Vossas Excelências a esta Casa de Imortalidade e, também, porque foi a escrita que nos fez, embora em ofícios distantes, comungar um mesmo ideal: o grande encontro desta noite.
Pois bem, chegam, hoje, a esta Academia, escolhidos pelo voto da maioria dos seus membros, para ocuparem as cadeiras: 01, 06, 07, 10, 12, 14. E, agora, voltando ao início desta saudação, vejam Vossas Excelências que aqui chegam, a Casa congrega personalidades ilustres, de coloração heroica e grandiosidade de uma cavalaria medieval. Aqui estão reunidos escritores, poetas, historiadores, cronistas, romancistas, cientistas, pesquisadores, filósofos, juristas, filólogos, literatos, artistas. Então, que faço nesta saudação, além das boas vindas?!
Vossas Excelências trazem uma bagagem invejável, as produções de Vossas vidas. São desbravadores das letras, contos, histórias, poesia de cordel, literatura infantil. Saúdo-vos, nobres imortais, com a redobrada satisfação de fazê-lo, firmada na justiça; e, em tal medida, me valho do grande mestre Manoel Bandeira:
           - Entrem: Deise, Enilson, Jefferson, Mazé, Isac. Vossas Excelências não precisam pedir licença, chegaram a Vossa Casa.
           Muito obrigada.


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