Excelentíssimos
Imortais do Sodalício da Academia Acreana de Letras, Autoridades presentes ou
representadas, senhoras, senhores.
Caríssimos imortais que nesta noite
adentraram a esta Augusta Casa: Deise Torres, Enilson Amorin, Jefferson
Cidreira, Maria José de Oliveira, Sebastião Isac de Melo
Tendo a cultura das letras e o saber emanado delas, como Presidente desta
instituição eu não poderia saudá-los se não conhecesse a escrita. Não poderia ter
votado em Vossas Excelências. Não estaríamos, aqui, reunidos se não existisse a
escrita, essa ferramenta fantástica que veste e anima o pensamento humano e
ilumina, na noite de hoje, a Academia Acreana de Letras, neste rito solene, na
semana de aniversário de 82 anos, a contar de 1937.
Permitam-me, caríssimos acadêmicos,
percorrer, um pouco, os caminhos da escrita, a importância do livro na
constituição das culturas das sociedades humanas. Somente desta forma estarei
saudando a poetiza e bacharel em Direito Deise Torres, o historiador, chargista,
jornalista e literato infantil Enilson Amorim, o historiador e poeta Jefferson
Cidreira, o teólogo, poeta e cordelista Sebastião Isac de Melo, a professora, pedagoga,
poeta e literata infantil Mazé Oliver, personalidades que nesta noite usam,
pela primeira vez, a veste talar da Academia Acreana de Letras.
Vemos o longo passo da
difusão da cultura oral para a cultura escrita, que levou entre 25 a 30
séculos. Repentinamente, com a televisão e o computador, é possível ao jovem,
de hoje, passar da cultura oral para uma nova forma de cultura, a visual, algo,
antes, nunca imaginado. Da mesma forma, como nos templos pré-históricos, as
pinturas representavam a caça, a vida e a morte, cenário de um ritual. A
televisão, hoje, mostra imagens abstratas e pode criar pseudos-fatos, envolvendo
a toda gente, como uma espécie de feitiçaria.
O computador também mostra
à criança, que mal sabe falar, mas sabe “clicar o mouse” para “navegar na
internet”. Dominado pelo efêmero, pelo instantâneo, o computador — e sou uma
usuária que o explora — ele não fixa conhecimento como faz a escrita. A
escrita, bem representada nos livros é a mais importante descoberta do ser
humano porque eternidade a memória.
Platão fez Sócrates
refletir com Fedro o problema da linguagem escrita, contando uma lenda egípcia
que dizia assim: - quando Thot inventou os números, a astronomia, e finalmente
a escrita., as levou ao rei de Tebas, Thamus, e as explicou uma a uma,
defendendo sua utilidade. Quando chegou na escrita, falou assim: ‘Oh rei! essa
invenção tornará os egípcios mais sábios e reterá a sabedoria em suas memórias;
eu descobri um remédio contra a dificuldade de aprender e recordar.’O Faraó
ouviu e respondeu: o livro produzirá nas almas o esquecimento dos que tiverem
conhecido a sabedoria, fazendo com que negligenciem a memória; confiando no
livro, eles deixarão os caracteres materiais ao cuidado das lembranças e não da
sabedoria”. Dás a teus discípulos a sombra da ciência e não a ciência. Quando
eles tiverem aprendido muitas coisas sem mestres, eles acreditarão serem
sábios, mas serão, em geral, ignorantes e falsos sábios, insuportáveis no trato
da vida”
É duro ler estas palavras e perdoar o Faraó.
E, nesta hora eu penso no perdão, o que ele significa na vida humana: Devíamos
ter aulas de perdão desde o jardim de infância. Essa sim seria uma grande
matéria de cunho intelectual que faria de nós, seres humanos, muito mais úteis,
capazes e felizes. Perdoar não é um ato de bondade e sim de inteligência!
Carregar fardos é para os burros!
Mas vamos adiante! Esta
questão do que é a sabedoria é a grande agonia do tempo atual, da sociedade da
informação, em que faz chover como tempestade, e inunda as pessoas de tanta
informação, assim como a enchente que invade o rio. Mas a civilização se fez,
desde a Mesopotâmia e a China, nestas pequenas representações da linguagem,
capazes de se preservar e transmitir, cacos e fragmentos que hoje emocionam
como o começo da história.
A tecnologia da escrita
foi usada, desde o começo, como instrumento de poder. Claude Lévi-Strauss Disse:
“a escrita é usada para facilitar a escravidão de outros seres humanos”. Desde
o começo a escrita esteve associada com a estruturação das sociedades, a
formação de hierarquias internas e externas. A capacidade de aprender sem
mestre, a questão do faraó, foi, desde o começo, uma das grandes façanhas da
escrita. Mas a verdadeira façanha foi acelerar a velocidade em que o
conhecimento, a informação, mas, também, sabedoria é transmitida. O livro... o
livro... o livro.
Hoje, as línguas que
passaram milênios para se formarem, e séculos para encontrar sua expressão
escrita, são substituídas por programas binários. Num pequeno pen-drive, que
caberia na palma da mão, podem ser acumulados todos os livros que já foram
escritos. Busca-se o conhecimento com a facilidade oposta à dificuldade que se
tem de encontrar a sabedoria, como previa o faraó.
O próprio Bill Gates chamou a atenção de que é preciso saber ler e
escrever para criar o computador. Sem o livro não há o computador, como não há
o conteúdo do computador. O caminho para a civilização passa pelo livro. O
livro abre a porta do conhecimento, da ciência, da arte. O livro transforma o
efêmero em permanente, o humano em imortal. Assim caminham Deise Torres,
Enilson Amorim, Maria José Oliveira, Jefferson Cidreira, Sebastião Isac de
Melo. Quão belos são vossos livros. Quão bela é esta noite que vos acolhe, diplomados
e inscritos no livro da imortalidade! Vossos livros vos trouxeram para a
Academia Acreana de Letras, para a imortalidade.
Os livros encantam o
mundo há séculos. A biblioteca de Alexandria reuniu o conhecimento no mais
ambicioso projeto cultural da humanidade. Não apenas se armazenavam os livros e
as ideias, mas eles eram traduzidos, retraduzidos, copiados, estudados,
divulgados.
Em Roma, os “primeiros
homens” deviam ser, ao mesmo tempo, escritores. Era parte essencial de sua
reputação a qualidade do que escreviam. Assim, a memória de Cícero e César
encontra a de Virgílio e Plutarco.
A leitura e o livro caminham. Na Idade Média a cópia era uma arte, os livros
e as bibliotecas eram preciosidades. Foi quando chegou a revolução de
Gutenberg. Com a imprensa, começaria a difusão do conhecimento, e, pouco a
pouco, o ler e o escrever foram se encontrando.
O livro de Gutenberg, livro de papel, impresso com tinta, é a maior
invenção tecnológica da humanidade, um modelo perfeito, não precisa de
modificação. Pode ser feito em mil e uma variedades, mais bonito ou mais feio,
barato ou caro, de luxo ou de bolso, em tiragem limitada ou em milhões de
exemplares, em chinês, russo, norueguês, basco, português. Saber ler — e ler o
livro — é a mais básica das necessidades.
O papel foi o primeiro aporte tecnológico inventado. Mas a máquina de
Gutenberg, com o tipo metálico móvel, muda a escala do possível. Foi assim que
Montaigne pode ler, em alguns meses, mais livros do que qualquer erudito antes
dele.
Outro avanço: o livro impresso. Quando, em 1310, Dante escreve a Divina
Comédia, em italiano, em vez de latim, e louva a poesia provençal, faz um
enorme desafio à sociedade culta. O Estado surge em livros: Maquiavel, Montaigne,
Hobbes, vão dialogar com om público. E é o Estado, construído pelos políticos
leitores — e autores destes livros -- que vão controlar a liberdade de
imprensa, identificando no livro o elemento de debate sobre uso do poder.
No final do século XVI, surge o jornal. Blaise Pascal monta uma rede de
impressores clandestinos para desafiar o poder da polícia de Richelieu e a autoridade
de Louis XIV. Pela primeira vez, impressos piratas, contestando abertamente o
Estado, circulavam em grande quantidade, com tiragem de 10 mil exemplares.
Reunidas, as Lettres de Pascal se transformam no livro mais popular do século
XVII = o jornal.
Assim, caríssimos acadêmicos, a relação entre o livro e o conhecimento é
ainda mais profunda que do livro com a política: ele não só difunde o que já
foi descoberto, como muda a circulação do conhecimento.
É sob o signo do livro que José Bonifácio viaja pela Europa na
complementação de seus estudos. Foi o signo do mecenato que levou Francisco I a
patrocinar Leonardo da Vinci; Cristina da Suécia a chamar, para seu lado,
Descartes e Vieira; Catarina II a se corresponder com Voltaire. Assim, os
políticos que recriam o mundo, como em Roma, veem o livro como instrumento
fundamental. A difusão do livro, da tecnologia do poder, abriu caminho para a
democracia. Foi a ampla circulação das ideias das revoluções francesa e
americana, da liberdade, da igualdade, da fraternidade, do nacionalismo que,
pelo mundo inteiro, se espalhou na forma de novos países e novos regimes. Surge
a Alemanha, a Itália, a Bélgica, os países latino-americanos.
O livro é, portanto, o instrumento fundamental da democracia, seja ela
estruturada em forma de Estado ou simplesmente o acesso aos bens sociais. O
livro é sinônimo de educação. E é de Confúcio a máxima: “onde houver boa
educação, não há distinção de classes”. A sabedoria milenar já nos aponta o
caráter libertador da educação. Através dela, e só através dela, a ascensão
social se torna igualitária.
É, desse modo, grandioso o valor do
livro. E como Vossas Excelências conhecem o valor dos livros, chega de
história. Não vou mais cansá-los. Eu a percorri, em parte, para valorizar a chegada
de Vossas Excelências a esta Casa de Imortalidade e, também, porque foi a
escrita que nos fez, embora em ofícios distantes, comungar um mesmo ideal: o
grande encontro desta noite.
Pois bem, chegam, hoje, a esta Academia, escolhidos pelo voto da maioria
dos seus membros, para ocuparem as cadeiras: 01, 06, 07, 10, 12, 14. E,
agora, voltando ao início desta saudação, vejam Vossas Excelências que aqui
chegam, a Casa congrega personalidades ilustres, de coloração heroica e
grandiosidade de uma cavalaria medieval. Aqui estão reunidos escritores,
poetas, historiadores, cronistas, romancistas, cientistas, pesquisadores,
filósofos, juristas, filólogos, literatos, artistas. Então, que faço nesta
saudação, além das boas vindas?!
Vossas Excelências trazem uma bagagem invejável, as produções de Vossas
vidas. São desbravadores das letras, contos, histórias, poesia de cordel,
literatura infantil. Saúdo-vos, nobres imortais, com a redobrada satisfação de
fazê-lo, firmada na justiça; e, em tal medida, me valho do grande mestre Manoel
Bandeira:
- Entrem: Deise, Enilson, Jefferson,
Mazé, Isac. Vossas Excelências não precisam pedir licença, chegaram a Vossa
Casa.
Muito obrigada.