29/07/2020

DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO PROF. DR. ALEXANDRE MELO

Discurso de Posse
Alexandre Melo de Sousa - Cadeira 01
Exma Sra, presidente da Academia Acreana de Letras, Dra. Luísa Galvão Lessa Karlberg;
Exmos. Acadêmicos do Sodalício;
Demais autoridades;
Estimados Convidados, boa noite!

Para mim é tarefa de grande alegria e honra estar aqui na Academia Acreana de Letras, na qual, por eleição no ano corrente, passo a ocupar a Cadeira de Número 1.
Este é o momento de celebrar a vida em todas as suas dimensões e acepções. Celebrar a vida desta Academia, lugar que fez brotar no meio dos mistérios e da exuberância de uma floresta, outras formas-flor: as letras – estas plantadas nos terrenos de papel e hoje brotando em telas de computador.
Celebrar a vida dos meus irmãos nordestinos, cearenses, que aqui chegaram, em séculos passados, carregando em suas bagagens sonhos de uma vida melhor.
Coloco-me na condição deles e de todos os outros brasileiros que aqui chegaram, pois, também nordestino e cearense, aqui fui acolhido com minha força de trabalho, força essa diferente dos meus primeiros conterrâneos que faziam escorrer a borracha dos sulcos das árvores. No meu ofício, procuro tirar das palavras a matéria prima para contribuir com o cenário cultural do Acre, do Brasil.
Nesta celebração, o nome de Aprígio de Menezes deve ser lembrado, pois é o Patrono da cadeira que passo a ocupar. A cadeira de número 1, como disse anteriormente.
O Dr. Aprígio de Menezes nasceu na Bahia. Formou na Faculdade de Medicina de Salvador em 1867, logo viajando para a então Província do Amazonas, fixando residência em Manaus. Era poeta e publicou diversas obras, dentre elas: “Névoas Matutinas” (versos); “Almanaque da Província do Amazonas de 1884”; “História do Amazonas” em 1884. Foi deputado provincial de várias legislaturas, tendo seu nome indicado para deputado a Assembleia legislativa do Império, para o período de 1881-1884.
O Dr. Aprígio de Menezes faleceu em Manaus, sendo sepultado em 19 de abril de 1891 no cemitério de São João Batista em Manaus.
 Também celebro o nome do professor Dr. Jorge Araken Faria da Silva, que foi elevado ao quadro de eméritos, no último mês de setembro. Tive a honra de assistir à solenidade pública da referida elevação e me emocionei muito com suas palavras no momento de seu discurso. Aqui destaco: “nada mais sou que um aprendiz!”.
Sim... todos nós somos aprendizes. Somos aprendizes da vida, dos outros e, principalmente, de nós mesmos. No entanto, quase nunca nos damos conta disto...
Dr. Jorge Araken Faria da Silva, meu antecessor, é bacharel em Ciências Jurídicas Sociais pela Faculdade Nacional de Direito, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Acre e professor aposentado da Universidade Federal do Acre. É diplomado pela Escola Superior de Guerra, mestre em Direito Processual pela Universidade de São Paulo, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Acre, da Academia Acreana de Letras, do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AC), tendo sido também professor da Escola Superior da Advocacia da OAB/AC.
De ambos, Aprígio de Menezes e Jorge Araken Faria da Silva, procurei recolher ensinamentos e o amor por este povo que, com certeza, busca neste espaço de cultura, arte e saber, caminhos para trilhar sua aventura humana.
Além de celebrar, é o momento de refletir o futuro. Futuro este do qual agora faço parte, já que me concederam a honra de figurar entre os grandes nomes das letras acreanas.
Pensando na história e na frágil condição humana, tenho em mente um sonho: trazer cada vez mais o povo até este centro de saber, ao mesmo tempo que tenho como missão levar meu conhecimento aos povos cuja vida existe no interior deste estado, no interior deste Brasil tão rico e tão carente ao mesmo tempo.
Penso, com carinho especial, na comunidade surda, da qual, mesmo sendo um ouvinte, faço parte por participar tão fortemente, junto aos surdos, pela educação inclusiva, para valorização da língua de sinais, das produções em literatura surda, da cultura surda e da valorização e do respeito da identidade surdo. Este é um espaço das letras. A Academia Acreana de Letras é um espaço de vocês também.
Aceito esta cadeira com humildade, mas também com a alma cheia de orgulho... não somente por mim mesmo, mas por uma grande mulher: minha mãe, Marlene de Melo - que hoje está aqui representada por meu irmão: Adriano Melo de Sousa. Este momento é de todos nós... e é por todos nós!
     São Tomás de Aquino em seu ‘Tratado da Gratidão”, estabelece três níveis para o ato de agradecer: O primeiro nível é o do reconhecimento do benefício recebido. Quando dizemos ”thank you”, em inglês, por exemplo, expressamos o reconhecimento pelo favor que recebemos. Está diretamente ligado ao nosso intelectual, pois precisamos pensar e ponderar para então reconhecer determinado feito; O segundo é o nível do agradecimento, que consiste em louvar e dar graças. Ao falar ”merci” em francês, ”gracias” em espanhol ou ”grazie” em italiano, estamos dando uma graça por aquilo que recebemos; O terceiro é o nível mais profundo, o nível da retribuição, do vínculo. Nos sentimos vinculados e comprometidos a retribuir o outro. A expressão portuguesa ”obrigado” é a única que expressa o nível mais profundo de gratidão. A singularidade e a beleza do agradecimento de nossa língua são fortemente expressas pela palavra. 
       Aqui, então, expresso meu MUITO OBRIGADO!
       Obrigado a todas as famílias às quais me vinculo: à UFAC, à APADEQ, aos meus diletos amigos, aos meus amados familiares, e ao Sodalício da Academia Acreana de Letras.
Mais uma vez: Muito obrigado!

12/05/2020

DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO PROF. DR. EDUARDO DE ARAÚJO CARNEIRO - Cadeira 38



Discurso de Posse
Acadêmico Eduardo de Araújo Carneiro - Cadeira 38

Digníssima Presidente da Academia Acreana de Letras

SENHORAS E SENHORES,
AUTORIDADES,
CONFRADES, AMIGOS
E A TODOS OS PRESENTES
Meu Muito Boa Noite,

Foi com muita alegria e satisfação que recebi a notícia de ter sido eleito como imortal dessa honrosa academia. Por isso, quero, desde já, agradecer publicamente àqueles que me dignificaram com os seus respectivos votos, em especial a Professora Dra. Maria José Bezerra, minha patrocinadora, a quem coube a missão de me indicar ao Sodalício. Quero também estender os meus agradecimentos a todos os confrades que, mesmo não tendo votado em mim, estão aqui presentes para me acolher nessa cerimônia de posse.
Na minha vida, tudo parece acontecer de maneira bem natural. Há 15 anos eu nunca me imaginaria um professor universitário, nem um escritor, nem um editor de livros, nem um doutor, muito menos um “imortal”. Há 15 anos eu era mais um policial militar à serviço da manutenção da ordem pública. Mas a minha grande virtude foi nunca ter parado de estudar. O que me faltou na escola pública, onde sempre estudei, eu ia buscar nos livros por esforço próprio. E foi dessa forma que adotei a Cultura do Livro como estilo de vida. Abdiquei das “festinhas e baladas” de convites fáceis como é para qualquer jovem e, desde cedo, dediquei-me aos livros, mesmo vindo de uma família cujos pais eram semianalfabetos.
A dedicação às leituras acabou me afastando do convívio social e muito dos meus amigos passaram a dizer que havia me tornado “um ser um tanto antissocial”. Mas a leitura é uma atividade de caráter individual: eu tive que pagar o preço. Com o tempo, valeu em mim o provérbio: “quem muito lê um dia se depara com a vontade de escrever”. Com 21 anos escrevi meu primeiro livro “O Perigo da Apostasia” ainda por ser publicado, que espelhava bem o jovem religioso egresso do curso de Teologia. Passei a escrever artigos para jornais até ser colunista durante meses em um jornal local. Hoje, aos 38 anos, tenho 5 livros publicados e mais três em fase final de redação. Apesar das minhas limitações, de uma fase difícil pelo qual venho passando em minha vida particular, ainda consegui colaborar com alguns autores locais, alguns dos quais presentes nessa solenidade, editorando seus respectivos livros. Ao todo já foram mais de 30 livros editorados em menos de 1 ano, de modo que eu acho que serei lembrado no futuro mais como editor do que como escritor propriamente dito. Se assim o for, ficarei feliz com isso.
Todos nós da AAL estamos imersos na cultura do livro, mesmo sem saber. Essa cultura não se restringe apenas à fomentação do hábito da leitura. É preciso promover e valorizar todo o processo que envolve a produção e o consumo do livro. Nesse processo que o ESCRITOR assume um papel fundamental. A biblioteca, templo do livro, também.  E eu como editor estou na base, como um parteiro que ajuda a nascer um filho alheio.
O poder público deveria ser o maior promotor da cultura do livro, no entanto, em nosso Estado, as Fundações de Cultura estão sucateadas e inoperantes. Mas nem mesmo a Secretaria de Estado de Educação tem se atentado para isso. Na minha opinião, os estabelecimentos de ensino deveriam estar comprometidos com a “articização do escritor” e a “manumentalização das bibliotecas”. Ora, o que é isso afinal?
Valorizar a cultura do livro é, acima de tudo, adotar uma política de ensino que trate o escritor como celebridade, como um artista. (Torná-lo notório. Engrandecê-lo, enobrecê-lo, evidenciando-o nas mídias). Isso porque valorizar a cultura do livro é tratar as bibliotecas como um monumento. Um local de apreço, em as pessoas se sintam atraídas a apreciar a beleza estética das curvas do conhecimento.
Afinal, se escrever fosse fácil, a comunidade letrada seria composta por escritores. Porém, o máximo que se consegue, mesmo após terminar uma faculdade ou até mesmo um doutorado, é se tornar AUTOR de uma monografia ou tese. E vocês sabem que há uma diferença muito grande em ser autor e escritor. Então vamos homenagear os com as devidas honras. 
No entanto, falta CULTURA DO LIVRO mesmo em estabelecimentos que deveria sobejá-la. Vou citar apenas o caso da Universidade Federal do Acre:
- Eventos como este da posse de dois imortais não estão sendo prestigiados por representantes da IFES, mesmo tendo um dos seus funcionários agraciados com a imortalidade literária;
- Biblioteca e Editora sucateados;
- Coisas escabrosas acontecem, por exemplo, na FICHA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DOCENTE temos:
- LIVROS publicados por editoras de circulação regional = 0,6 pts
- Revisão de um documento institucional da UFAC = 0,3 pts
- Editoração de livro = 0,0 pts
- Cargo em comissão em pró-reitoria = 6 pts

 Vejam que há uma pedagogia interna na UFAC de valorizar aquele que assume cargos técnicos em vez de valorizar aquele que escreve livros ou ajuda outro a publicar, como é o caso do editor.
Bem, assumo a cadeira nº 38, que tem por PATRONO Plácido de Castro e como meu antecessor Jarbas Passarinho. Pelo ritual do Sodalício, o MOMENTO AGORA É DE REVERÊNCIA. Como novo imortal, teria que, neste momento, reverenciar e destacar as virtudes do meu Patrono e do meu Antecessor. No entanto, como pesquisador que sou, após consultar o patrimoniada literário deles, me dei conta que se tornaram "IMORTAIS" mas por conta da atuação política que tiveram do que propriamente de seus dotes na arte da escrita.
Mas eu tentei manter-me em uma visão ACREANOCÊNTRICA e, numa leitura vaidosa dos meus antecessores, destacar, meio que usando uma “lupa” suas qualidades no campo da literatura. No entanto, como historiador que sou, tenho lentes “anti-epopeicas” e acabo desacreanizando tudo.
       PLÁCIDO DE CASTRO (1873-1908) - Por ironia do destino assentar-me-ei na Cadeira de N° 38, cujo Patrono é nada menos que José Plácido de Castro. Digo ironia, pois nos meus livros o militar recebe um devido julgamento histórico desapaixonado de acreanismo. Portanto, da minha boca não receberá elogios. Nem como escritor, nem como pessoa.
JARBAS PASSARINHO (1920-2016) - Xapuriense, nascido em janeiro de 1920, no entanto, pouco contato teve com o Acre, uma vez que desde os três anos foi morar no Pará. Tornou-se um oficial militar, essa era a sua profissão. Nos tempos da Ditadura Militar de 1964, se tornou político. Foi um dos principais porta-vozes da Ditadura Militar no Estado do Pará, indicado como governador do Pará (1964-66).
Menos conhecida é sua atividade como escritor e intelectual: em 1949, ganhou prêmio de concurso da Prefeitura de Belo Horizonte com o conto “Um Viúvo Solteiro”. Em 1959, com o romance “Terra Encharcada”, recebeu da Academia Paraense de Letras o prêmio Samuel Wallace Mac Dowell.
Em maio de 1991, lançou “Na Planície”, o primeiro volume de suas memórias. Em 1996, o conjunto das memórias foi publicado com o título “Um Híbrido Fértil”. Autor de outras obras, como “Amazônia, o Desafio dos Trópicos” (1971) e “Liderança Militar” (1987). Em 1967-1969 foi Ministro do Trabalho. Atuou na pior fase da Ditadura (Mais de 100 sindicalistas foram destituídos).
Quando COSTA E SILVA propôs o famigerado Ato Institucional nº 5, em 1968, como Ministro, ele foi um dos que o aprovou.
De 1969 a 1974 foi Ministro da Educação. (MOBRAL e UFAC)
De 1981-83, Presidente do Senado Federal.
De 1983 a 85, foi Ministro da Previdência Social.
De 1990-1992, Ministro da Justiça (Collor)
1967-83, Senador pelo Pará.
Tornou-se articulista do Estado de S. Paulo e ficou famoso por eleger o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) como alvo de suas críticas. Enfim, foi um homem cuja importância política excedeu à literária.
EPÍLOGO
Para finalizar, quero dedicar o meu ingresso nessa honrosa Academia à minha mãe, Helena de Araújo Carneiro, uma niteroiense (RJ) que residiu no Acre por mais de 15 anos e que veio a falecer, precocemente, por conta de um diagnóstico errado dado em um hospital público de Rio Branco. A essa mulher dedico o meu ingresso, uma analfabeta que soube, do jeito dela, ensinar os seus filhos a se dedicarem aos estudos, de modo que um virou professor universitário, outra enfermeira e outra médica. Que fique registrado nos anais desta Academia o nome dela, para que seja honrada in memoriam, já que em vida, foi somente mais uma anônima residente na periferia de Rio Branco.
Encerro o meu discurso declamando um poema de minha autoria, que foi publicado no meu livro intitulado POESIAS NOTURNAS, que seria lançado aqui, neste evento, caso não tivesse ocorrido alguns contratempos. O poema que vou declamar é dedicado a pessoa mais importante da minha vida, a minha filha Sarah Cristina.

Oh, minha pequenina,
Papai sempre vai te amar,
Ao teu lado,
Continuamente vou estar,
E entre os meus braços,
Eternamente iremos brincar.

E mesmo quando a velhice me assaltar,
E o meu vigor me abandonar,
Ao ponto de o meu corpo
Não conseguir sustentar,
O meu espírito há de me renovar.

A tua cabeça, em meu seio irás reclinar,
Para dos meus lábios os teu ouvido escutar,
Pois em versos irei declamar:

Minha primogênita,
Comigo podes contar,
Pois neste mundo nada vai nos separar,
E quando para os teus braços eu não mais voltar,
E a minha trêmula voz em um suspiro falhar,
E ao pó da terra o meu corpo tombar,
As minhas lembranças te farão dizer com fervor:
- O meu pai sempre foi o meu primeiro amor.


Eternamente seu pai,
Eduardo de Araújo Carneiro,

02/05/2020

ELOGIO SOLENE (PANEGÍRICO) À ACADÊMICA FLORENTINA ESTEVES, CADEIRA nº 04, que tem por patrono Alexandre de Gusmão

                                                                                                                            Por
Luísa Galvão Lessa Karlberg
 1 – Saudação
Saúdo as autoridades nominadas e o distinto público presente a esta sessão póstuma.  A Academia Acreana de Letras – AAL, que nasceu em 17 de novembro de 1937, com o formato original de 40 cadeiras, segundo a Academia Francesa, tem, por imperativo estatutário, declarar vaga uma de suas cadeiras, aquela de nº 04, e homenagear, no prazo de 30 dias, o seu titular falecido. Eu, no afã de cumprir fielmente com o desiderato de fazer uma retrospectiva da obra e da vida da autora, me desvelei em buscar pessoas que privaram da amizade da confreira, mas, infelizmente, não encontrei familiares que pudessem me guiar nessa tão árdua tarefa. Então, abro esta homenagem de louvor dizendo: a acadêmica ora homenageada, Florentina Esteves, foi uma grande educadora e escritora. Ela iluminou, com sua presença e personalidade, o sodalício da Academia Acreana de Letras. Nas poucas vezes em que conosco conviveu, sempre se mostrou uma fidalga, em gestos de refinada educação e, também, erudição. Uma mulher culta, simpática, afetuosa, serena, íntegra.

2 - Notícia do nascimento e morte de Florentina Esteves
A ACADEMIA ACREANA DE LETRAS - AAL, com profundo pesar, realiza o Panegírico da estimada Professora FLORENTINA ESTEVES, imortal que deixa vacante a Cadeira nº 4, que tem por patrono Alexandre de Gusmão. Filha do espanhol José Esteves e Ida Esteves (paulista de Santos), mais tarde Ida Rodrigues (por ter casado com outro espanhol de nome José Rodrigues). É neta de Maria e José Ferrante. Colhi do romancista Telmo Camilo Vieira (personalidade do segundo distrito, exatamente da “rua da frente”, igualmente Florentina) a seguinte história: José Rodrigues imigrou para os Estados Unidos e lá encontrou o amigo José Esteves. José Rodrigues que havia ganhado alguns dólares convidou o amigo a vir para o Acre e aqui montarem um hotel todo em madeira, estilo clássico. Assim fizeram, e aqui construíram o Hotel Madrid (espaço que hoje pertence à Fundação Cultural Elias Mansur), ponto de encontro da elite da época. José Esteves aqui casou com Ida Ferrante, que tinha um irmão Ministro do Superior Tribunal de Justiça (Miguel Ferrante) e outro irmão Domingos Jordão (que foi provedor da Santa Casa por mais de 40 anos). O avô de Florentina foi Vicente Jordan, um italiano. Florentina Esteves tinha dois irmãos, Maximiniano (Max) e Manoelito. Os avós de Florentina viajavam bastante pela Europa, Oriente, Estados Unidos. O avô foi executado, em plena rua, em Nova York, pela máfia italiana que buscava uma pessoa igualzinha a ele, roupa, altura, cabelos etc. Depois disso a avó veio para São Paulo, mais tarde ao Acre, para nunca ser alcançada pela máfia. Florentina nasceu em Rio Branco, em 30 de junho de 1931, no Segundo Distrito, na chamada “Rua da Frente”, hoje Eduardo Assmar, que foi o bairro fundador da cidade de Rio Branco. Passou toda a sua vida na zona urbana, sem estabelecer contato direto com o cotidiano da seringa, a não ser por meio das conversas e de ouvir as pessoas que desembarcavam, diariamente, vindas dos seringais, em frente ao Hotel Madrid, sua residência e ponto de encontro da “intelectualidade” local. Seu contato com a vida da selva se fez, sobretudo, por meio da prosa com Jovita, empregada do hotel, vinda do seringal.  Ou seja, Florentina, tal como muitos outros contistas e romancistas acreanos, dependeu de uma memória oral. Nessa época, a Amazônia vivia um período intermediário entre os dois ciclos econômicos da produção gomífera. Então, a nossa confreira, ainda muito jovem, com apenas 20 anos, deixou a terra natal e foi para o Rio de Janeiro, onde se dedicou aos estudos. Na Faculdade de Filosofia da UFRJ, no ano de 1953, formou-se em Letras Neolatinas. Anos depois, regressou ao Acre e, aqui, deu grandiosa contribuição como educadora e amante da Cultura regional. Foi a primeira professora graduada que teve o Acre. Foi Secretária de Educação entre 1967-1969. Faleceu no Rio de Janeiro, em 25 de março de 2018, com 87 anos. Na ausência de contato com familiares não sabemos a causa da morte.

3 – Gratidão acreana à Professora Florentina Esteves
No Acre, a Professora Florentina Esteves foi testemunha da efervescência da época, início do século XX, ao ver o entrar e o sair dos hóspedes no empreendimento de seus pais, o Hotel Madrid, situado no segundo distrito, a parte da cidade mais viva, porquanto ali residiam as famílias mais tradicionais e abastadas da cidade, incluindo a família de Florentina Esteves. “Ela viu de perto uma parte da formação do Estado do Acre e conviveu com os migrantes sírios e libaneses que ali se instalaram, com suas casas comerciais, na altura onde hoje é a denominada ‘Gameleira” (COSTA, 2013, p.62).
O Acre muito deve a Professora Florentina Esteves, que foi Secretária de Educação e excelente professora de francês no Colégio Acreano. Uma mulher de vasta cultura e muita humanidade. Tinha profundo amor pelas Letras, amante da literatura, observadora atenta dos costumes da época. Mesmo não tendo participado da vida nos antigos seringais acreanos, ela sabia, por meio de interação com as pessoas do meio, a ambiência e a vida do lugar, com todas as lutas e conquistas. Era uma mulher bem formada e bem informada.
O maior tributo que o Acre poderá oferecer à imortal Florentina Esteves será reeditar suas obras, distribuí-las nas escolas, pois são frutos do respeito e amor à região do Acre, espelhados numa literatura de alta qualidade, nada a desejar aos grandes nomes que correm pelo país e pelo mundo.
E, mais, gratidão à Professora de francês, recordando suas belas aulas, nas palavras do Dr. Edson Costa, publicadas no Facebook, em 05/04/2018, às 10h51min:
Bonjour Lundi,
Comment va Mardi?
Très bien Mercredi.
Je viens de la part de Jeudi
Dire à Vendredi
qu'il se prépare Samedi
Pour aller à l’église Dimanche!

4 – Legado literário
A literatura é uma forma de arte que tem como matéria-prima a palavra. A sua finalidade é recriar a realidade, a partir do ponto de vista do escritor. E, segundo dizem estudiosos da literatura de Florentina Esteves, afiançam que ela, de conspiração entre sua imaginação, a experiência de leituras herdada da avó e a memória nutrida pelo ouvir constante sobre fatos, pessoas e situações, escreveu os livros que compõem a sua valiosa e primorosa literatura. Nós a consideramos uma literata completa: cronista, contista e romancista da melhor qualidade. Escreveu várias obras, como “O empate” (1993, romance), “Enredos da Memória” (1990, crônicas), “O Acre de ontem e de hoje”, (2008, crônicas), “Direito e Avesso” (1998, contos), livro de 32 contos, narrativas que deveriam ser lidas e conhecidas pelos estudantes acreanos. Nesta obra (Direito e Avesso), a Professora Florentina conta diversas histórias do povo da mata, com destaque para as personagens femininas, tanto nas histórias da floresta como da cidade, quando registra costumes e crendices acreanas.
Florentina Esteves (1931) ambienta seus textos no convívio acreano, desde a segunda crise da economia da borracha até o finalzinho dela no século XX. Escrevia de modo peculiar, um manejo estrondoso com as palavras e uma forma bonita de retratar o Acre, seus costumes e cultura, como no Conto ”Mapinguari”, quando descreve, de modo fantástico, a figura lendária dessa  entidade, no seu caráter simbólico e imagético, assim como tudo que ele representa na população da floresta. Assim, deixa como legado, uma rica literatura e a mais significativa prosa do Acre, que tem sido tema de estudo e pesquisa em Universidades Brasileiras, caso especial da Tese de Doutorado da Prof.ª Dr.ª Maria José da Silva Morais Costa, cujo título é bem significativo: “Trajetória de uma expressão amazônica, o encanto de desencanto em Florentina Esteves” (2013)
Diz Costa (2013, p.63) que “Enredos da memória” reúnem 32 contos divididos em seis capítulos: Um pouco de história, O cenário, Personagens, Infância, Capítulos que a história não contou e Anedotário. É um livro onde Florentina Esteves reconstrói os momentos iniciais da cidade de Rio Branco, “do ponto de vista da classe dominante local, quando ela mal e mal se vestia de cidade” (COSTA, 2003. P.52). Na tessitura textual dessa obra, ela conta fatos da história acreana (Empresa e Revolução acreana), bem como fala sobre figuras conhecidas da sociedade local, como o poeta Juvenal Antunes, a Professora Mozinho e Garibaldi Brasil. Fala dos estabelecimentos que abrigaram os acontecimentos sociais, as festas e a vida cultural da cidade, tais como o  Hotel Madrid, o Beco-do-mijo e a Tentamen. E nessas narrativas também estão presentes a infância da nossa confreira. Esse livro, segundo Costa (2013), “é a soma de confissão pessoal, depoimentos de vivência e imaginação num discurso que pretende reconstruir o passado por meio da recordação”.
O romance O empate traz uma proposta um pouco diferente da anterior, aqui, Florentina se propõe, por meio de uma narrativa mais longa, desinteriorizar vivências onde os enredos da terra se haviam depositado. A trama se faz em torno da vida de Severino Sobral, seringueiro por 50 anos, que vivia numa colocação próxima à cidade de Xapuri.
Na primeira parte do livro, a exemplo de Potyguara, Ferrante, Mário Maia, Telmo Camilo Vieira, ela relembra a chegada de Severino ao seringal e a formação da família – mescla do nordestino com o indígena. Na segunda parte, ela refaz o contexto dos empates contra os “paulistas”, que aqui chegaram na época do Governo Wanderley Dantas (o Dantinha). Tece um enredo permeado com fortes pinceladas de lirismo, como quando narra o encontro de Severino com Mani, sua esposa, e o nascimento dos filhos do casal. Nesse romance, em relação a Enredos da memória, há um aperfeiçoamento na técnica narrativa, por meio de monólogos interiores que levam a uma caracterização mais verossímil das personagens e uma precisão maior na técnica narrativa.
Em Direito e avesso, a escritora retoma a narrativa curta, escreve 32 contos, numa fase mais madura de sua escrita. Os enredos são interessantes quando passa da prosa descritiva inicial de sua produção literária, agora para uma narração que denota maior riqueza de conteúdo e de forma.
Diz Costa (2013) que a proposta da contista, neste último livro, é imaginar, cada vez mais, a pluralidade das  existências acreanas. E, assim, os contos estão centrados na realidade vivida nos seringais, na vida da capital Rio Branco, na fala dos ribeirinhos, das pessoas que caminham nas ruas da cidade; da classe média do lugar, das crianças, homens e mulheres. Por aí vai construindo as histórias, tendo como figura recorrente o rio como representação do curso da vida, com a sucessão de desejos, sentimentos e intenções, e a variedade de seus desvios e obstáculos.  Também, é para notar que as paisagens geográficas e sociais, arquitetadas nos contos de Florentina, têm eco em toda a literatura de expressão amazônica, uma vez que são criadas sobre os mesmos pressupostos e olhares.
Interessante notar, nesse percurso literário, que Florentina Esteves, aos poucos, colhe material para projetar suas personagens. Com isso, mostra que o desencanto da maioria delas (como se verá no desfecho de grande parte dos contos) não se deve ao fato de serem ricos ou pobres, homens ou mulheres, novos ou velhos, mas, antes de tudo, deve-se a uma circunstância açambarcante da compreensão desses indivíduos. No nível formal, Florentina reinventa seu jeito de narrar, inaugurado com Enredos da memória, a influência de um Graciliano Ramos, com frases nominais e a forte presença de regionalismo. Igualmente ao escritor alagoano, ela também traduz vidas, não aquelas marcadas pelas secas, mas vidas cheias, encharcadas das águas da Amazônia. Todavia, no estilo da linguagem objetiva e precisa ela aponta para a igualdade de frustrações, ou seja, “assim como as vidas secas de Graciliano, as vidas úmidas de Florentina também se constroem sob o signo de uma negatividade evidenciada no ritmo discursivo de ambos” (COSTA, 2013, p. 64).

5 – Identificação com o lugar e contexto histórico
Interessante observar que toda produção de Florentina permite ao leitor identificar a si, o pai, o avô, o tio, a tia, o primo, amigos, particularmente na construção de imagens das gentes acreanas. O contexto histórico centra-se na Batalha da Borracha e a derrocada da economia após a Segunda Guerra. Talvez, por isso, a obra possui um ‘ar de denúncias’, pelo fato de as personagens serem limitadas, conformadas nos seus próprios imaginários, limitadas que são diante das expectativas de vida, impotentes, considerando não haver, para elas, saída que não seja a conformação ou a morte. Parece-nos com o Brasil de hoje, quando nós já não acreditamos nas instituições e num cenário de esperança para os nossos sucessores. Nós, do Brasil de hoje, igualmente os soldados da borracha, de Florentina Esteves, vivemos a ausência de confiança no futuro.
Diz Costa (2013, in Bachelard, em A poética do espaço,1986, p.42) “que os escritores nos dão seus cofres para ler. Ora, se os cofres funcionam, simbolicamente, como um dos órgãos da vida psicológica, a franquia deles para o deleite do leitor significaria a abertura de uma intimidade”.
Foi a busca da vida íntima da literatura de expressão acreana de Florentina Esteves que motivou a escrita desse Panegírico, tão bem auxiliado por Costa (2013), no fabuloso livro “Trajetória de uma expressão amazônica – o encanto do desencanto em Florentina Esteves”.
No livro Direito e avesso o leitor encontra a “natureza refúgio” e a natureza que empareda o ser humano, tirando todas as perspectivas de novidade de vida. Há, aqui, o rio como signo de esperança, de canal para as novidades que chegam ao seringal e a morte nas águas turbulentas. Ao tempo que os rios dão vida, também confinam os seres humanos que habitam na floresta amazônica.
Então, todas as imagens, personagens, plenos de sonhos e ideais,  transcendem à localização espacial, isso porque nessa selva (espécie de cela) o ser humano é impedido de desejar,  levado a se conformar, como muitos de nós, com essa realidade do tempo, como nós estamos neste século XXI, quando o panorama sociocultural nos remete, sempre, de volta a um passado que não se compreende por inteiro, pois ele ainda está se fazendo.
Para a nossa despedida, valemo-nos das palavras de Costa (2013, p.54):

Flora, flora, Florentina. Face menina. Face professora. Face intelectual. Faces/afluentes de um rio sempre fluido, aguando e sendo aguado em uma terra que conhece como a palma da mão. Afluentes que se encontram nesse corpo ruivo cujo modo de expressão se dá pelas dobras de uma linguagem artesanal.

A Academia Acreana de Letras se despede de Florestina Esteves, mas a eterniza no coração, na forma de um farol de luz. O destino une e separa. Mas nenhuma força é grande o suficiente para fazer esquecer a nossa estimada confreira. A morte não poupa ninguém. — Mors omni aetate communis est. Adeus, ilustre imortal  Professora, escritora, contista, romancista Florestina Esteves.
Saudade Eterna.
Sodalício da AAL

REFERÊNCIAS
ESTEVES, F. Direito e avesso. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 1998. 93 p.
___. O empate. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 1993.84 p.
___. Enredos da memória. Rio Branco: Fundação Elias Mansour, 2002. 158 p.
___. O Acre de ontem e hoje. Editora: MM Pain, 2008.
COSTA, Maria José da Silva Morais Costa. Trajetória de uma expressão amazônica – o encanto do desencanto em Florentina Esteves. Patrocínio da Fundação de Cultura Elias Mansur. All Print Editora, 143 p.

FONTES SECUNDÁRIAS
CARVALHO, D. M. S. Entre o oral e o escrito: o conto numa comunidade amazônica. Araraquara, 2001. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) – Curso de Pós-graduação em Letras. Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista. 154 p.
 ___. A presença da literatura oral no Vale do Juruá: manifestações folclóricas e identidade. Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2005. 124 p. CARVALHO, J. C. Amazônia revisitada: de Carvajal a Márcio Souza. Rio Branco: EDUFAC, 2005. 357 p.