06/08/2020

DISCURSO DE POSSE DA ACADÊMICA NILDA DANTAS

Discurso de Posse 
Acadêmica Nilda Dantas - Cadeira 26

Excelentíssima Presidente da Academia Acreana de Letras, Prof.ª Dr.ª Luísa Galvão Lessa Karlberg
Excelentíssimo Sodalício da AAL, confreiras e confrades
Senhoras e senhores,
Meus cumprimentos e gratidão por está convosco nesta data memorável. Agradeço a participação de todos neste evento, que se dá de modo virtual, em razão do momento de pandemia que assola o mundo, o Brasil e também nosso Estado do Acre. Mas, estarmos aqui, em rede, em uma cerimônia on-line é uma prova de que somos uma espécie resiliente; sob a bandeira da cultura e das letras que nos motivam à luta, estamos nos adaptando aos novos tempos e às novas tecnologias. Somos agora cidadãos e acadêmicos de um mundo globalizado e digital.
Agradeço a Prof.ª Dr.ª Luísa Galvão Lessa Karlberg, presidente desta honrada associação literária, pelo honroso convite para concorrer à eleição e, eleita, tomar assento na 26ª (vigésima sexta) cadeira, das quarenta que compõem este seleto grupo de literatos. Cadeira esta que tem por patrono o escritor, jornalista, contista, memorialista e político Humberto de Campos, sobre o qual peço licença para fazer aqui um breve relato de sua biografia.  
Nascido em 25 de outubro de 1886, em Miritiba, cidade do interior do Maranhão (que hoje leva o nome de seu ilustre cidadão), faleceu no Rio de Janeiro em 5 de dezembro de 1934, há exatos 86 anos. Se vivo fosse teria, hoje, 134 anos. Ele era filho de pequenos comerciantes e desde cedo teve que trabalhar no comércio como meio de subsistência. Órfão aos seis anos, foi levado para a capital, São Luís. Aos 17 anos passou a residir em Belém, Estado do Pará, onde conseguiu um lugar de colaborador e redator na Folha do Norte e, pouco depois, no Periódico “Província do Pará”. Em 1910, publicou seu primeiro livro, uma coletânea de versos intitulada Poeira. No ano de 1912 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde entrou para O Imparcial, na fase em que ali trabalhava um grupo de escritores ilustres, como redatores ou colaboradores, entre os quais Goulart de Andrade, Rui Barbosa, José Veríssimo, Júlia Lopes de Almeida, Salvador de Mendonça e Vicente de Carvalho. O diretor, José Eduardo de Macedo Soares participava da segunda campanha civilista[1]¹. Humberto de Campos ingressou no movimento, mas logo depois o jornalista militante deu lugar ao intelectual. Fez essa transição com o pseudônimo de “Conselheiro XX”, como assinava os contos e as crônicas, hoje reunidos em vários volumes. Assinava também com os pseudônimos: Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios.
Humberto de Campos, meu Patrono, o terceiro ocupante da Cadeira de número 20 na Academia Brasileira de Letras, eleito em 30 de outubro de 1919, na sucessão de Emílio de Menezes e recebido pelo Acadêmico Luís Murat, em 8 de maio de 1920. No mesmo ano, já acadêmico, foi eleito deputado federal pelo Maranhão. A Revolução de 1930 dissolveu o Congresso e ele perdeu o mandato. O presidente Getúlio Vargas, que era admirador do talento de Humberto de Campos, procurou minorar as dificuldades do autor de Poeira, dando-lhe os lugares de inspetor de ensino e de diretor da Casa Rui Barbosa.
Em 1933 publicou o livro que se tornou o mais célebre de suas obras, Memórias, crônica dos começos de sua vida. O seu Diário secreto, de publicação póstuma, provocou grande escândalo pela irreverência e malícia em relação aos contemporâneos. Autodidata, grande leitor, acumulou erudição que utilizava nas crônicas. Fez também crítica literária de natureza impressionista. Poeta neo-parnasiano, fez parte do grupo da fase de transição anterior a 1922. Poeira é um dos últimos livros da escola parnasiana no Brasil.
Como podemos ver, um homem com uma trajetória de vida ímpar. Tê-lo como patrono da cadeira na qual hoje tomo lugar é para mim uma grande honra e, ao mesmo tempo, me faz lembrar a minha própria trajetória de vida.
Acreana, nascida em Rio Branco, na Rua da Palha e criada no bairro do IPASE; família de muitos irmãos e irmãs; minha mãe Raimunda trabalhou toda sua vida na maternidade Bárbara Heliodora e também como costureira; meu pai, Emídio, era funcionário da União e exercia a profissão de carpinteiro; deixou-nos muito cedo. Eu, desde muito nova sonhava cantar nos programas de calouros na Rádio Difusora Acreana e apesar das dificuldades vividas na infância, fui atrás do meu sonho. Enfrentei diversos tipos de preconceitos, resisti a tempestades, venci obstáculos. Constitui-me mulher, esposa, mãe. Profissionalmente, radialista, repórter, apresentadora de telejornal, me consolidei no mundo da comunicação em um Acre distante do eixo Rio-São Paulo, onde a comunicação de massa já estava bastante avançada. Porém, aqui, a sociedade ainda era muito conservadora e machista; uma mulher trabalhar em rádio e em televisão não era vista com bons olhos.
Há um poema, bastante conhecido, do poeta Carlos Drummond de Andrade do qual eu sempre lembro quando penso nas dificuldades pelas quais passei ao longo da minha jornada de vida, o poema tem por título:
“No meio do caminho”.
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
(...)

Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
(...)
Tinha uma pedra

E ao lembrar esse poema, sempre estabeleço uma fala imaginária com o autor:
- Não meu caro Drummond, não era UMA pedra no meio do caminho! tinha muitas pedras, Poeta!
Mas, com paciência e argúcia, muitas vezes com as mãos e o coração sangrando fui removendo dia a dia cada pedra do caminho. Sem olhar para trás, sem usar as pedras para revidar as agressões, por vezes sofridas. Assim, vim pavimentando a estrada que me trouxe até aqui.  Hoje, vejo no sofrimento a matéria-prima de muitos poetas e escritores.
Meus primeiros versos ou poesias, eu mesma não sabia definir exatamente o que eram, mostrava para algumas pessoas próximas ou para quem eu tinha confiança. Essas pessoas, que nem eram críticas literárias, davam suas opiniões e, em geral, diziam que eu deveria publicar. Assim, meus primeiros escritos foram em uma linguagem coloquial, sem a lapidação literária cobrada aos poetas e escritores, já “tarimbados” eram expressões das minhas vivências, de sonhos, realizados ou não. De amores, vividos ou imaginados. Foi quando me atrevi a publicar o “Quase nua”. Uma maneira de jogar para fora, de expurgar as paixões que me fizeram sofrer ou que de algum modo tinham me machucado.  Foi uma espécie de catarse.
Assim como o patrono da cadeira que hoje venho ocupar, eu também era, e continuo sendo autodidata. Até a publicação de “Quase nua” o que eu sabia de poesia e de poetas era o que eu intuitivamente lia, minha convivência com poetas e artistas locais. O fato de ser locutora de rádio me deu o privilégio de sempre ser convidada para compor júris de festivais de música, prestigiar noites de autógrafos de escritores acreanos, compor conselhos de cultura, fazer teatro, participar de shows como o Boca de mulher entre tantos outros. Esse transitar no ambiente cultural acreano e nacional me deu os elementos necessários à minha constituição enquanto poeta e artista plural, que as pessoas dizem admirar.
Sobre essa admiração pública, é muito comum eu ser abordada na rua por pessoas que querem tirar uma foto comigo e falam que ouvem meu programa na rádio difusora. Então, nesse momento, lembro-me da menina que cantarolava no alto dos galhos das goiabeiras de minha infância, sonhando em ser artista e quase sempre me vem à mente uma composição do Ivan Lins e Vitor Martins, gravada pela Lucinha Lins em 1982 e que se chama espelho de camarim.
Diz, um pouco, assim:
Quem mais sabe de mim
É o espelho do meu camarim
Ele tem o estranho poder de me ver
De me conhecer, de me refletir, de me envolver
(...)
Isso porque as pessoas não sabem a vida real da cada artista, de cada poeta, de cada escritor.  Como citei antes, não sabem das pedras no caminho, imortalizadas por Drummond de Andrade.
Após a publicação de “Quase Nua” eu senti a necessidade de aperfeiçoar a minha escrita, ainda que os sentimentos sejam a matéria-prima do poeta, mas chega um momento que os conhecimentos técnicos se fazem necessários para uma escrita de qualidade, para uma poesia mais refinada e que atenda aos requisitos da academia.   
Foi assim que, cinquentenária, cruzei o portal da UNOPAR e fui cursar Letras Vernáculas. Dividindo o espaço estudantil com jovens que poderiam ser meus netos e netas e com essa ousadia, de voltar ao banco escolar, me reinventei e rejuvenesci. O conhecimento acadêmico me permitiu outras possibilidades de produção literária para além do instinto poético do primeiro livro.
A publicação do segundo livro “Devora-me”, trouxe uma Nilda Dantas mais poeta e mais madura; ainda que o tema abordado fosse o dos amores, dos sonhos, das vivências. Porém, foi um livro melhor elaborado. Os conhecimentos acadêmicos, o contato com outras literaturas me possibilitou fazer poesia sob uma nova perspectiva.
A terceira publicação “Saturitas”, saiu mais lapidada que as antecedentes. Os elementos que compõem as poesias estão mais sutis, a linguagem mais sofisticada, sem perder a essência que caracteriza a poeta que fui me tornando. A constatação do avanço literário que tive foi minha inclusão nos livros da Literatura Acreana, após participar em 2009 e 2011 do concurso Garibaldi Brasil, com publicação de um poema e dois contos, a publicação de poemas e crônicas em três Antologias e ter me tornado “frasista”, quando eu nem sabia existir essa categoria de poeta. Enfim, o que quero dizer aqui, em poucas palavras, é o quanto foi importante buscar a formação acadêmica e aprimorar a prática da escrita.
          Para finalizar, gostaria de agradecer as pessoas que contribuíram com incentivos, críticas, ajuda nas publicações. Gratidão aos meus amigos e em especial a confreira Margarete Prado, o poeta e professor Marcos Jorge Dias o, advogado e músico  João Veras , o advogado e professor Francisco Generoso, os confrades José do Carmo e Adalberto Queiróz, o TI Antônio José Macedo, meus filhos Michel e Lídia e meu genro Paulo Sampaio.
Enfim, sozinha eu não teria chegado até aqui. Contudo, se eu for nomeá-las, poderei incorrer de não citar alguém que possa ter sido fundamental; de modo que agradeço aos senhores e senhoras, amigos, familiares, a todos, indistintamente. Há, porém, alguém que não posso deixar de citar. Aquele me antecedeu nesta cadeira que hoje tomo posse. O jornalista, escritor e poeta Naylor George. Nossa convivência nos espaços de cultura sempre foi pautada pelo respeito, admiração mútua e incentivo, por parte dele, em minhas atividades artísticas. Ocupar a cadeira que foi dele, nesta Academia  Acreana de Letras, ao mesmo tempo que me deixa honrada, me entristece por não tê-lo aqui conosco. Na impossibilidade de poder compartilhar com ele este momento, finalizo com a passagem de “Outra parte do nada”, obra consagrada de Naylor George Pires, que se constitui numa aquarela de fragmentos da realidade recortada e justaposta dialeticamente: “O nada é tudo”.
A partir desse “olhar” se compreende que ninguém precisa ser nada para ser alguma coisa. E ser acadêmica, sucessora de Naylor George é um grande prêmio, é tudo que o poeta gosta. Prometo amar a Academia o quanto amava Naylor. Ele escrevia no Jornal páginas inteiras sobre a Academia. Eu farei na Rádio Difusora Acreana programas inteiros para a Academia Acreana de Letras, seus poetas, escritores, professores, cronistas, pesquisadores, contistas, músicos, historiadores, juristas, enfim, essa plêiade que faz a Academia Acreana de Letras.
Muito obrigada!



[1] Campanha civilista foi uma campanha eleitoral à presidência brasileira, que ocorreu em 1910, durante a República Velha. Foi o nome dado à campanha de Rui Barbosa à presidência, tendo Albuquerque Lins, presidente do estado de São Paulo, como candidato a vice-presidente. O nome de civilista deu-se por defender a candidatura de um civil, em oposição à candidatura de um militar, o Marechal Hermes da Fonseca, candidato apoiado pelo então presidente da república, Nilo Peçanha.




[1] Campanha civilista foi uma campanha eleitoral à presidência brasileira, que ocorreu em 1910, durante a República Velha. Foi o nome dado à campanha de Rui Barbosa à presidência, tendo Albuquerque Lins, presidente do estado de São Paulo, como candidato a vice-presidente. O nome de civilista deu-se por defender a candidatura de um civil, em oposição à candidatura de um militar, o Marechal Hermes da Fonseca, candidato apoiado pelo então presidente da república, Nilo Peçanha.

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