Discurso de Posse
Acadêmica Fátima Cordeiro – Cadeira 20
Acadêmica Fátima Cordeiro – Cadeira 20
Senhora Presidente Prof.ª Dr.ª Luísa
Galvão Lessa Karlberg
Senhores Acadêmicos da AAL
Senhoras e Senhores, amigos, familiares.
Inicialmente, manifesto as minhas
condolências às famílias que perderam seus entes queridos diante nesta pandemia
(covid 19), que assola o nosso planeta. Em
pleno sec. XXI, novas formas de convivência social, com a Natureza e consigo
mesmo, deverão ser repensadas.
Sinto-me, nesta memorável noite, tal
como a personagem de Felicidade Clandestina de Clarice Lispector, que de posse
de algo tão especial, no caso dela, um livro que estava além de suas
possibilidades, entretanto, após muitas idas e vindas o conseguiu, finalmente!
E, poderia ficar com ele pelo tempo que quisesse... No meu caso, após saber que
pertenceria a esta conceituada Academia Acreana de Letras, ainda assim, finjo que
não sei, só para depois ter o susto de saber que sei. Quando soube da cadeira
nº 20, fingia esquecer... só para depois lembrar que nela tomei assento. Caminhar ao lado de Doutores, Mestres, Grandes
intelectuais da Literatura e Cultura Acreana? Não, não seria para mim este o
enredo. É um momento inusitado.
Mas, aqui estou. Com o coração cheio de
júbilo, sinto-me lisonjeada, após uma democrática eleição marcada pela lisura e
a transparência, que agradeço ao Presidente da Comissão Eleitoral poeta Renã
Leite Pontes.
Mas, como expressar momentos tão
especiais? Destaco o livro poético dos Salmos, Salmos 30:11-12 'Mudaste o meu pranto em
dança, a minha veste de lamento em veste de alegria, para que o meu coração
cante louvores a ti e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te darei graças para
sempre" [...]
A poetisa Cecilia Meireles dizia:
Ai,
palavras, ai, palavras,
Que
estranha potência, a vossa!
Ai,
palavras, ai, palavras,
Sois
de vento, ides no vento,
No
vento que não retorna [...]
Não seria possível neste rito de posse, neste
discurso, deixar de agradecer e de reconhecer alguns nobres imortais:
Inicialmente, a coragem e a alegria da
escritora, advogada, professora, mãe e filha dedicada, DEISE BRANDÃO TORRES
LEAL - Cadeira de nº 12 - que usando de palavras tão singelas e altruístas se
manifestou em apresentar-me a concorrer ao Sodalício da Academia Acreana
de Letras – AAL, meus sinceros agradecimentos pela sua paciência, pela humildade de compartilhar conhecimentos, pela sua irreverência de ser poeta, nos
contagiando com o seu estilo de expressar a alegria, a vida, as flores, os
sentimentos, o amor pelas artes e pela poesia.
A todos os confrades e confreiras, que
depositaram confiança na minha candidatura desejando votos de vitória! Como
também, a consideração ao responder-me aos e-mails. Muito Obrigada!
MARGARETE EDUL PRADO, pelas incansáveis
vezes que me deu ânimo em acreditar que publicaria um livro, ora revisando, ora
fazendo convites para participar em Antologias e, na sua turma de Mestrado na
UFAC, para contação de histórias.
A MAZE OLIVER, que muito me incentivou a
acreditar que, um dia, eu escreveria um livro! Já estou a caminho do 4º
livro...
JOSÉ DO CARMO CARILE concedeu-me a honra
de recitar no lançamento de seu livro, em 2015, como também, CECILIA UGALDE que,
de forma afetuosa, me fez este honroso convite.
CLAUDEMIR MESQUITA, no lançamento do meu
1º livro: SEMENTES DE MOSTARDA, em 2016, fala: ‘Vem pra Academia’’!
MOISÉS DINIZ, em 2019, provoca-me: -Você
já concorreu alguma vez para a Academia Acreana de Letras?
DALMIR FEREREIRA, GREGÓRIO FILHO, ambos,
compartilham em comum: o amor pela Cultura, incentivadores, seja no contar
Histórias ou na precisão das ferramentas para entalhar a arte das palavras,
através das formas, texturas, cor, ou simplesmente, a criatividade na revisão
do que pode ser melhorado.
A SLA –SOCIEDADE LITERÁRIA ACREANA, em
nome de Maria Xavier, da qual também faço parte, espaço que permite a igualdade
de oportunidades para quem deseja colaborar para o engrandecimento da leitura
entre as crianças, jovens e adultos.
Mas, é preciso compreender que este
exato momento é construído pelas mãos do tempo. Vinicius de Moraes nos convida “a viver cada
segundo como nunca mais” (...)
A nós, mulheres, muito nos foi negado ou
arrancado no contexto da História. Quantas cientistas, filósofas, matemáticas,
tiveram que lutar para fazer jus a sua sede pelo conhecimento. A corajosa
Sophie Germain que estudava à luz de velas, escondida, embaixo dos cobertores
os proibidos livros de Matemática.
Quantas outras foram queimadas vivas na
fogueira da ignorância. Condenadas como “feiticeiras” apenas por seus
experimentos na pesquisa de ervas para a cura de muitos males.
Como, também, não está tão distante o
nosso direito ao voto. Visto que até o início do século XX, o voto, na quase
totalidade dos países, era um direito exclusivo dos homens.
Aqui, gostaria de destacar uma Mulher de
grande valor e além de seu tempo! PROF.ª DR.ª LUÍSA GALVÃO LESSA KARLBERG- Nascida
no Igarapé Humaitá, Seringal São Luís – situado às cabeceiras do Rio Muru,
distante de Tarauacá oito dias de barco –
para ela “a Academia deve espelhar a alma, retratar o espírito,
expressar a gênese e as potencialidades de um povo”; seus membros, chamados
“imortais”, traduzem o lastro cultural do povo acreano.
Desta forma, fico a imaginar, quantas
renúncias pessoais, preconceitos, ou até mesmo incredulidades oriundas tanto
dos homens quanto das próprias mulheres, ela teve que enfrentar para ser a 1ª
MULHER a ocupar a presidência desta importante Entidade Cultural, prezando pela
ética, respeito aos seus pares, espírito
democrático, zelo pela Literatura Acreana e, acima de tudo amiga das Letras, da
Literatura, da Cultura.
Senhores, senhoras,
Sou uma mulher simples, filha do êxodo
rural da década de 70, amontanhando milhares de pessoas nas periferias de Rio
Branco, sem condições dignas. Filha de
Antônia Valdira Mendes Cordeiro, uma lavadeira de roupas e que possuía muitos
canteiros de belíssimas alfaces, pepinos e couves. Meu pai, José Arruda
Cordeiro, um guarda que tinha orgulho de sua farda da antiga A MERCHED LTDA.
Sim, conheço a realidade e a carência
dos que vivem na periferia, expostos as mais diversas formas de violência. Por
muitos anos, caminhei por trapiches para chegar até a escola, nosso quintal
alagava e, quando isso acontecia, eu e meus irmãos pegávamos uma grande bacia
de alumínio de nossa mãe e fazíamos um grande barco.Sim, sei o que é olhar sua mãe dividir um
pão entre cinco filhos e ela dizer que não está com fome!
Mas, minha mãe sempre me deu um
conselho: - estude! Pois, é a única herança que levamos. Eu não tive esta
oportunidade, mas você tem! Nem é preciso dizer que a minha saia escolar de
tergal azul marinho de pregas era, religiosamente, lavada na goma e passada a
ferro de carvão, kichute engraxado e meias brancas até a altura dos joelhos.
Meu pai, outro conselho: - sempre pague
o mal com um bem! Mas, a vida não traz manual de instruções para não errarmos no
caminho. Assim, vamos construindo os nossos caminhos, ora sofridos, ora
alegres, ora temerosos...Fazemos as nossas escolhas, embora, muitas vezes, as
nossas escolhas não nos escolhem.
A leitura faz parte da minha vida desde
criança através das cartas de minha avó Jandira Ferreira Lima, moradora do
município de Manuel Urbano. Naquela época, então, Vila Castelo. Todos os meses, as cartas chegavam,
devidamente, acompanhadas por um grande embrulho de papel, que finalizavam com
um forte laço de barbante. Minha avó era caprichosa! Nossa alegria de adivinhar
o que teria desta vez naquele embrulho. Mas, tinha algo que nunca faltava: o
colorau. Ela dizia ter sido feito no seu velho pilão.
Posso dizer que os professores
desempenham um grande papel social na vidas das crianças e jovens, pois, muito
do que eu sou devo as falas de incentivo de alguns de meus professores Prof.ª
Elza Viana ao olhar meus desenhos da época do antigo ginásio falava –Tu ainda
vai ser professora de Arte (dos 30 anos na Educação, 16 foram dedicados a esta
disciplina); prof.ª Eunice – Um dia vou assistir a uma exposição tua! E, foi mesmo!
Mas, o meu primeiro texto foi somente
depois que Ismália enlouqueceu. Explico: a Prof.ª Raquel Santos, na época do
magistério, nos apresentou a poesia Ismália, de Alphonsus de Guimarães, daí
nos pediu uma tarefa. Chega o dia, eu não havia feito porque minha família não
tinha condições para comprar o livro! minhas colegas, mais que depressa, me
emprestaram um livro, dai, às pressas me deu um’’ insight’’ - já sei! Vou
escrever Ismália antes da loucura, porque ela enlouqueceu.
Eu ficava comovida lendo a situação
vivida pela pobre da Ismália... E, esse foi o meu primeiro excelente na
disciplina de Literatura. Guardei por anos aquele trabalho.
Muitas experiência interessantes pude
vivenciar seja no teatro, cinema ou artes visuais, como, também, nas
comunidades de base com as irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, Pe.Emanuel
e Pe. Maximo Lombardi.
Dos 30 anos dedicados a Educação na
escola pública, pude perceber a importância da leitura lúdica na vida do leitor,
seja criança, jovem ou adulto. Assim, também, como professora de Arte, Ensino
Religioso e Filosofia, motivar os jovens a serem protagonistas do conhecimento,
usando as diversas linguagens artísticas como forma de expressão. A dança, o
teatro, a música, as artes visuais, são formas de dialogar com a realidade,
manifestando a imensa criatividade e a capacidade intelectual de nossos jovens
tão carentes de oportunidades. Mas, também, presenciei a forma pejorativa de
tratamento desta área do conhecimento quanto às demais. Arte como apenas
passatempo, ou para entretenimento. Não! Não é isso. Arte é ciência, arte é
vida, arte é conhecimento. Arte é Cultura!
O espírito humano cria,
continuamente, sua consciência de existir na busca para o sentido da vida. Não
existe Arte sem conhecimento. Existe, sim, a necessidade de novos paradigmas
quanto aos novos conceitos neste século XXI, diante das transformações políticas,
sociais e culturais, como também da Neurociência. A faculdade imaginativa está na raiz de
qualquer processo de conhecimento, seja científico, artístico ou técnico.
Michelangelo foi um pintor, escultor,
poeta e arquiteto italiano uma de suas frases sobre escultura diz: “Vi um anjo
no bloco de mármore e simplesmente fui esculpindo até libertá-lo.'’
Ao PATRONO da cadeira 20 - Emílio
Augusto Goeldi, podemos destacar que EMÍLIO AUGUSTO GOELDI - Cientista
Naturalista nascido na Suíça, cujos estudos se centraram na fauna brasileira
atraíram a atenção de todo o mundo. Formou-se em zoologia no país natal, onde
defendeu tese sobre osteologia e anatomia dos peixes. Ele foi convidado pelo governador do Estado
do Pará, Lauro Sodré, para reorganizar o Museu de Pará de História Natural e
Etnografia, em Belém, que tinha sido fundada em 1866 por Domingos Soares
Ferreira Penna. Foi contratado (1891)
para reorganizar o Museu Paraense, em Belém do Pará, e novamente de mudança
(1894), passou a dirigir o Museu Paraense (1895). O museu passou por uma
reforma total, onde foram criadas diversas seções científicas, sendo este
patrimônio considerado um dos maiores parques zoobotânicos do mundo. Contratou especialistas que deram projeção
científica internacional ao museu. Em 1902, o “Museu Paraense de História
Natural e Etnografia” foi renomeado em sua homenagem. Ele agora é chamado o
Museu Paraense Emílio Goeldi. Em 1905, Emilio Goeldi renunciou ao seu cargo,
devido a problemas de saúde, e voltou para a Suíça, onde morreu em Berna, em
1917, com a idade de apenas 58 anos.
Aproveito-me de alguns trechos da
pesquisa biográfica cedida pela respeitável confreira historiadora Dr.ª MARIA
JOSÉ BEZERRA, pesquisadora de assuntos ligados à inclusão social. A Pesquisa
intitulada: RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO DA CULTURA
ACREANA, CELEIRO DE PRÁTICAS EDUCATIVAS E SOCIAIS, para homenagear a minha
antecessora, a pedagoga Glória Oliveira, ressaltando que:
MARIA DA GLÓRIA DE QUEIROZ OLIVEIRA,
nasceu em 12 de fevereiro de 1953, na cidade de Cruzeiro do Sul. Filha de Pedro
Gomes de Oliveira e Antônia de Queiroz Oliveira. É membro da Academia Acreana
de Letras, desde 1987, na cadeira de nº 20, cujo Patrono e Membro Fundador são,
respectivamente, Emílio Göeldi e Roberval Cardoso. E, numa fase mais recente foi
elevada à categoria de Membro Emérita. Iniciou seus estudos no Instituto Santa
Terezinha, em Cruzeiro do Sul.
Glória Oliveira é licenciada em Ciências
Físicas e Biológicas, pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE (1975); licenciada
em Pedagogia, pela UFAC (1977), sendo, ainda, pós-graduada, em termos de
especialização em: administração Escolar – Universidade Federal de Santa Maria
– RS (1978); Metodologia do Ensino Superior – UFAC (1982); e Métodos
Quantitativos em Educação, através do Convênio UFAC – UFC (1983).
Iniciou
suas experiências em sala de aula, no ano de 1968, no “Colégio São José”, em
Cruzeiro do Sul, permanecendo nesta unidade escolar até o ano de 1970. Em 1975 prestou concurso público na UFAC, para
o provimento de cargo de agente administrativo, porém na prática exerceu
atividades relativas à Secretaria e Assessora.
No ano de 1978 ingressa no quadro
docente do Curso de Pedagogia, da Universidade Federal do Acre, permanecendo
nesta função até 1996, quando se aposentou. Se notabilizou pela seriedade e
competência no cumprimento do que se propõe a realizar.
Exerceu o cargo de Coordenadora
Pedagógica do IESACRE, (2000 – 2006), faculdade privada localizada em Rio
Branco, que, juntamente com a Professora Clara Bader e Maria José Bezerra, foi
uma das fundadoras. Porém, esta instituição foi vendida e passou a integrar a
UNINORTE.
Os trabalhos desenvolvidos por Glória
Oliveira, consistiram em Projetos de criação de cursos, materiais alusivos à
legislação Superior de Ensino e ao Projeto Pedagógico para UFAC, “Sapupema, a
comunicação cabocla com o saber amazônico”, durante a gestão do Reitor Sansão
Ribeiro, além de artigos publicados nos jornais locais e dos trabalhos de
conclusão dos cursos realizados (Graduação/especialização).
Todavia, no exercício docência, a
peculiaridade de Glória Oliveira, consistia em repensar o ensino,
principalmente, de 1ª a 4ª série, no que se refere aos índices de repetência e
evasão escolar.
Neste sentido, em parceria com, a
também, pedagoga, Clara Bader, elaborou e publicou os resultados de uma
pesquisa desenvolvida por elas, no livro “Educação Ambiental para alfabetizar
crianças repetentes de 1ª a 4ª série”, que se constituiu uma inovação no
contexto da época.
Hoje, Glória Oliveira, além de se manter
atualizada, continua apaixonada pela educação, no entendimento de que esta é
fundamental para re-humanizar a humanidade.
Senhores, senhoras!
Parabenizo
aos demais confrades e confreiras que hoje ingressam neste Sodalício.
Agradeço aos
amigos, aos leitores e familiares pelo incentivo. Aos
colegas de trabalho da escola Estadual Samuel Barreira em nome da diretora
Adriana Lima.
Aos meus filhos, Jerllyano, Gelciano e
Luana Cordeiro Oliveira pela paciência.
À pessoa que é amigo, confidente, parceiro,
e, que todos os dias insiste em me fazer acreditar que a alma gêmea existe e
nunca é tarde para recomeçar uma nova história de amor, Dorielsom Lima.
Para concluir, minha saudação ao
Sodalício desta Augusta Casa que hoje adentro.
Muito Obrigada!
Impossível não se emocionar com a carga anímica desta carta digna e sincera. Parabéns Confreira. Seja bem-vinda ao seu lugar merecido.
ResponderExcluirGratíssimo pela alusão ao meu nome.