26/03/2018

DISCURSO DE 80 ANOS DA AAL





 DISCURSO DE 80 anos da AAL
Luísa Karlberg
Presidente da Academia Acreana de Letras – AAL

Cumprimentos às autoridades: Governador Tião Viana (ilustre confrade); Presidente da ALAC Ney Amorin; ilustre Desembargadora Dr.ª DENISE CASTELO BONFIM, Deputado Federal Moisés Diniz, Prof.ª Dr.ª Guida Aquino (Reitora da UFAC, em exercício); Presidente da Academia dos Poetas Acreanos Prof, Renã Leite Pontes, Cel. Julio Cesar dos Santos, Comandante da PMAC, Presidente da OAB,, demais autoridades presentes ou aqui representadas, Senhores Acadêmicos,Senhoras e senhores aqui presentes.
A instituição e a palavra academia têm origem interessante na Grécia Antiga, provindo de uma escola instalada em Atenas, por volta do ano de 386 antes de Cristo, por Platão. O filósofo havia sido, traiçoeiramente, vendido como escravo pelo rei Dioniso I, de Siracusa, na Sicília. Libertado por um tal de Aniceres, que pagou o preço do resgate e depois recusou a quantia de três mil dracmas cotizadas por amigos de Platão para ressarcir o comprador. Então, esses amigos utilizaram o dinheiro para comprar uma espécie de chácara, situada no subúrbio de Atenas. Lá existia um jardim dedicado a um herói ateniense, por nome Akademos, que revelou a Castor e Pólux o lugar onde se encontrava a irmã deles. Helena – de Tróia. Em homenagem a Akademos, deram ao sítio o nome de Academia. “Ali fundou Platão” a universidade que estava destinada a ser o centro intelectual da Grécia durante novecentos anos. A partir de então, muitas academias foram fundadas, mas tiveram vida efêmera.  As academias de letras modernas começaram a surgir com a fundação da Academia Francesa, no século XVII, em Paris, pelo Cardeal Richelieu, todo-poderoso no reinado de Luís XIII. Richelieu elaborou o estatuto, e fixou o número de acadêmicos – quarenta – que se tornou padrão de quase todas as academias congêneres. No Brasil houve diversas academias no período colonial, todas de vida efêmera.
A Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, foi àquela que ganhou vida e perdura até hoje. Fundaram-na, principalmente, Lúcio de Mendonça e Machado de Assis, em 1896, e foi instalada em 1897. No discurso de instalação da Academia – um modelo de concisão e elegância – Machado de Assis, eleito presidente, começou a definir a missão, o papel e o sentido da academia dizendo o seguinte: “Não é preciso definir esta instituição. Iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia nasce com a alma nova e naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância na vida do país. É claro que esse ideal permanece vivo em todas as Academias de Letras.
Digo-vos, com convicção, que foi um ato de extrema coragem e ausadia, naquele ano de 1937, fundar, no Acre, uma Academia de Letras. Digo-vos, também, que a  intervenção dos anos não nos separam das dificuldades do passado. Foi fundada sem sede e permanece há 80 anos sem sede. Nunca recebeu incentivo dos Governos, muito embora esta Casa concentre o maior número de escritores e poetas do Estado do Acre. Temos também grandes cientistas (em número menor do que a UFAC, aqui temos 40 imortais, e a UFAC possui mais de 500 docentes). Contudo, temos gente que produz muito, faz história, literatura, memória e culto ao idioma pátrio, num trabalho peregrino que deixa marcas profundas nos jovens.
Com todo esse discurso desejamos dizer que os anos não nos isolam de seus fundadores e tão pouco das dificuldades daquele ano de 1937. Hoje, talvez mais do que dantes, é  forçoso proclamar que as quimeras e as ilusões, originárias neste inquietante discurso comemorativo de 80 anos, nunca se afastarão de sua matriz singular: o culto ao idioma pátrio. Mais que nunca, na origem e no destino, estamos enlaçados ao pacto que nos força a ouvir o coração da população acreana, representada por todos nós, a clamar por apoio às letras, o respeito aos escritores, aos poetas, aos cientistas.
Nós escrevemos, fazemos a memória cultural da região. Afinal, a língua é a alegria dos seres humanos. Nesta Casa repousa a poesia do desejo, a melancolia dos gritos premidos, o advento das estações, a exaltação do fino mistério soprado, quem sabe, pelo próprio Deus. Falar, escrever, pensar, alcançar as fendas onde a metáfora pousa solitária, circunscreve-nos ao picadeiro dos imortais, ao galeão dos condenados, aos salões galhardeados, às terras onde se trava a batalha do verbo e das exegese. Sob o estímulo desta tradição, a Academia Acreana de Letras sempre rendeu-se às turbulências da arte, às tentações do pensamento, à insubordinação criadora. Instaurou em seu cotidiano o ritual da cerimônia, quis conciliar o que emana do sagrado e do profano, amenizar as discrepâncias, rejeitar os expurgos arbitrários, tornar o convívio fonte de concórdia.
Uma tradição que nos ensinou a conviver com os impasses da história, a resistir aos tormentos da modernidade fáctua. A ousar falar do futuro. Obstinada em realçar que a glória da instituição, repousando em tantas vitórias individuais, favorece o fervor coletivo.
Como filhos da pátria da língua, de um idioma composto com sobras latinas, gregas, asiáticas, africanas, espalhada em 4 continentes, possui feição arqueológica. Os inventos verbais desta língua, que peregrina pela península ibérica, pela África, pela Ásia, pela nossa América, trazem a chancela natural da transgressão. Arrasta consigo a luxúria mesmo quando confrontada com experiências radicais, místicas, vizinhas do abismo de Deus.
Esse grito acima é para dizer que somos os guardiões do idioma pátrio que traduz a vida nesta região do Acre. E, aqui, esta Augusta Casa não tem um teto. Não desejamos cotizar dracmas para erigir um templo. Entendemos ser esse um dever do Estado Brasileiro de cultuar a literatura e o idioma de feição nacional, assim, abrigar, com dignidade, o sodalício. Aqui as autoridades, raras exceções, reverenciam os imortais. Esquecem-se que a língua portuguesa possui extrema importância no dia a dia. De sua expressividade dependem a guerra e a paz. Esquecem-se que a leitura abre portas que nem sempre podemos abrir com as próprias mãos, porque nem sempre a ação física é tudo. Esquecem-se que a literatura é a expressão da criatividade, da cultura e das ideias que alguém tem consigo e as delibera, na forma escrita, para a história cultural de uma nação ou sociedade. Esquecem-se que escrever é comum, incomum é escrever poesia, contos, romances, textos científicos. Uma sociedade qualquer que ela seja, exprime-se e realiza-se através de sua cultura, ou seja, do conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram por intermédio da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade. Constitui a cultura como que uma ambiência, um sistema de referência que modela as condutas e hierarquiza os juízos de valor em função das normas, princípios ou padrões sociais que nela são privilegiados É urgente a necessidade de um novo olhar sobre as academias, a literatura, o idioma pátrio. Tudo isso faz parte da imortalidade que permeia entre nós. E ao falar em imortalidade, dizemos que essa adjetivação há muito ronda esta instituição. Fomentada, decerto, pelo imaginário popular, que na ânsia de crer na perenidade das coisas, na permanência da arte, reveste o criador com o manto da ilusão. Insiste em desprender a arte das agruras do cotidiano, em devolver o artista à vida, sob forma transfigurada. A imortalidade forma de livros/romances/contos/poesia/ciência.
Que os senhores do poder leguem um sítio à Academia sem que o sodalício pague dracmas cotizadas, porque a cultura, o saber, a literatura e a poesia são armas libertadoras da alma humana na construção de um mundo belo e feliz. Nós escrevemos, fazemos a memória cultural da região significando tão-somente o desejo coletivo de prorrogar as ações humanas vinculadas à construção artística, seja ela representada na prosa, na poesia, na ciência, na literatura em geral. Afinal, a língua é a alegria dos seres humanos. Nesta AAL repousa a poesia do desejo, a melancolia dos gritos premidos, o advento das estações, a exaltação do fino mistério soprado, quem sabe, pelo próprio Deus.
E, finalmente,  como mulher, escritora, cientista, poeta, professora, pesquisadora,  digo que a coragem é a força que me guia. É a virtude que me permite, com firmeza, afrontar os perigos e suportar os trabalhos na lição de Cícero e, assim, me contrapor ao “cauteloso pouco a pouco” registrado no verso de Mario de Andrade [Eu me esqueço o tempo todo e pouco a. Pouco eu sinto outro em meu lugar.]. Esta Academia é a maior casa de cultura que possui o Estado do Acre, vamos, pois, cultivá-la e ouvi-la traduzir a vida que o Acre deixará para as gerações futuras. Aqui estamos nós, nesta noite, uma amostra fiel da inteligência acreana, tão variada como ela mesma em sua história. Viva os 80 anos da AAL. Muito Obrigada!


 

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