DISCURSO DE 80 anos da AAL
Luísa
Karlberg
Presidente
da Academia Acreana de Letras – AAL
Cumprimentos
às autoridades: Governador Tião Viana (ilustre confrade); Presidente da ALAC
Ney Amorin; ilustre Desembargadora Dr.ª DENISE CASTELO BONFIM, Deputado Federal
Moisés Diniz, Prof.ª Dr.ª Guida Aquino (Reitora da UFAC, em exercício);
Presidente da Academia dos Poetas Acreanos Prof, Renã Leite Pontes, Cel. Julio
Cesar dos Santos, Comandante da PMAC, Presidente da OAB,, demais autoridades
presentes ou aqui representadas, Senhores Acadêmicos,Senhoras e senhores aqui
presentes.
A instituição e a palavra
academia têm origem interessante na Grécia Antiga, provindo de uma escola
instalada em Atenas, por volta do ano de 386 antes de Cristo, por Platão. O
filósofo havia sido, traiçoeiramente, vendido como escravo pelo rei Dioniso I,
de Siracusa, na Sicília. Libertado por um tal de Aniceres, que pagou o preço do
resgate e depois recusou a quantia de três mil dracmas cotizadas por amigos de
Platão para ressarcir o comprador. Então, esses amigos utilizaram o dinheiro
para comprar uma espécie de chácara, situada no subúrbio de Atenas. Lá existia
um jardim dedicado a um herói ateniense, por nome Akademos, que revelou a
Castor e Pólux o lugar onde se encontrava a irmã deles. Helena – de Tróia. Em
homenagem a Akademos, deram ao sítio o nome de Academia. “Ali fundou Platão” a
universidade que estava destinada a ser o centro intelectual da Grécia durante
novecentos anos. A partir de então, muitas academias foram fundadas, mas
tiveram vida efêmera. As academias de
letras modernas começaram a surgir com a fundação da Academia Francesa, no
século XVII, em Paris, pelo Cardeal Richelieu, todo-poderoso no reinado de Luís
XIII. Richelieu elaborou o estatuto, e fixou o número de acadêmicos – quarenta
– que se tornou padrão de quase todas as academias congêneres. No Brasil houve
diversas academias no período colonial, todas de vida efêmera.
A Academia Brasileira de Letras,
no Rio de Janeiro, foi àquela que ganhou vida e perdura até hoje. Fundaram-na,
principalmente, Lúcio de Mendonça e Machado de Assis, em 1896, e foi instalada
em 1897. No discurso de instalação da Academia – um modelo de concisão e
elegância – Machado de Assis, eleito presidente, começou a definir a missão, o
papel e o sentido da academia dizendo o seguinte: “Não é preciso definir esta
instituição. Iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia
nasce com a alma nova e naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é conservar, no
meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige não só a
compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância na vida do
país. É claro que esse ideal permanece vivo em todas as Academias de Letras.
Digo-vos, com convicção, que foi
um ato de extrema coragem e ausadia, naquele ano de 1937, fundar, no Acre, uma
Academia de Letras. Digo-vos, também, que a
intervenção dos anos não nos separam das dificuldades do passado. Foi
fundada sem sede e permanece há 80 anos sem sede. Nunca recebeu incentivo dos
Governos, muito embora esta Casa concentre o maior número de escritores e
poetas do Estado do Acre. Temos também grandes cientistas (em número menor do
que a UFAC, aqui temos 40 imortais, e a UFAC possui mais de 500 docentes).
Contudo, temos gente que produz muito, faz história, literatura, memória e
culto ao idioma pátrio, num trabalho peregrino que deixa marcas profundas nos
jovens.
Com todo esse discurso desejamos
dizer que os anos não nos isolam de seus fundadores e tão pouco das
dificuldades daquele ano de 1937. Hoje, talvez mais do que dantes, é forçoso proclamar que as quimeras e as
ilusões, originárias neste inquietante discurso comemorativo de 80 anos, nunca
se afastarão de sua matriz singular: o culto ao idioma pátrio. Mais que nunca,
na origem e no destino, estamos enlaçados ao pacto que nos força a ouvir o
coração da população acreana, representada por todos nós, a clamar por apoio às
letras, o respeito aos escritores, aos poetas, aos cientistas.
Nós escrevemos, fazemos a memória
cultural da região. Afinal, a língua é a alegria dos seres humanos. Nesta Casa
repousa a poesia do desejo, a melancolia dos gritos premidos, o advento das
estações, a exaltação do fino mistério soprado, quem sabe, pelo próprio Deus.
Falar, escrever, pensar, alcançar as fendas onde a metáfora pousa solitária,
circunscreve-nos ao picadeiro dos imortais, ao galeão dos condenados, aos
salões galhardeados, às terras onde se trava a batalha do verbo e das exegese.
Sob o estímulo desta tradição, a Academia Acreana de Letras sempre rendeu-se às
turbulências da arte, às tentações do pensamento, à insubordinação criadora.
Instaurou em seu cotidiano o ritual da cerimônia, quis conciliar o que emana do
sagrado e do profano, amenizar as discrepâncias, rejeitar os expurgos
arbitrários, tornar o convívio fonte de concórdia.
Uma
tradição que nos ensinou a conviver com os impasses da história, a resistir aos
tormentos da modernidade fáctua. A ousar falar do futuro. Obstinada em realçar
que a glória da instituição, repousando em tantas vitórias individuais,
favorece o fervor coletivo.
Como
filhos da pátria da língua, de um idioma composto com sobras latinas, gregas,
asiáticas, africanas, espalhada em 4 continentes, possui feição arqueológica.
Os inventos verbais desta língua, que peregrina pela península ibérica, pela
África, pela Ásia, pela nossa América, trazem a chancela natural da
transgressão. Arrasta consigo a luxúria mesmo quando confrontada com
experiências radicais, místicas, vizinhas do abismo de Deus.
Esse
grito acima é para dizer que somos os guardiões do idioma pátrio que traduz a
vida nesta região do Acre. E, aqui, esta Augusta Casa não tem um teto. Não desejamos cotizar dracmas para erigir
um templo. Entendemos ser esse um dever do Estado Brasileiro de cultuar a
literatura e o idioma de feição nacional, assim, abrigar, com dignidade, o
sodalício. Aqui as autoridades, raras exceções, reverenciam os imortais.
Esquecem-se que a língua portuguesa possui extrema importância no dia a dia. De
sua expressividade dependem a guerra e a paz. Esquecem-se que a leitura abre
portas que nem sempre podemos abrir com as próprias mãos, porque nem sempre a
ação física é tudo. Esquecem-se que a literatura é a expressão da criatividade,
da cultura e das ideias que alguém tem consigo e as delibera, na forma escrita,
para a história cultural de uma nação ou sociedade. Esquecem-se que escrever é
comum, incomum é escrever poesia, contos, romances, textos científicos. Uma
sociedade qualquer que ela seja, exprime-se e realiza-se através de sua
cultura, ou seja, do conjunto de características humanas que não são inatas, e
que se criam e se preservam ou aprimoram por intermédio da comunicação e
cooperação entre indivíduos em sociedade. Constitui a cultura como que uma
ambiência, um sistema de referência que modela as condutas e hierarquiza os
juízos de valor em função das normas, princípios ou padrões sociais que nela
são privilegiados É urgente a necessidade de um novo olhar sobre as academias,
a literatura, o idioma pátrio. Tudo isso faz parte da imortalidade que permeia
entre nós. E ao falar em imortalidade, dizemos que essa adjetivação há muito
ronda esta instituição. Fomentada, decerto, pelo imaginário popular, que na
ânsia de crer na perenidade das coisas, na permanência da arte, reveste o
criador com o manto da ilusão. Insiste em desprender a arte das agruras do
cotidiano, em devolver o artista à vida, sob forma transfigurada. A
imortalidade forma de livros/romances/contos/poesia/ciência.
Que os
senhores do poder leguem um sítio à Academia sem que o sodalício pague dracmas cotizadas, porque a cultura, o
saber, a literatura e a poesia são armas libertadoras da alma humana na
construção de um mundo belo e feliz. Nós escrevemos, fazemos a memória cultural
da região significando tão-somente o desejo coletivo de prorrogar as ações
humanas vinculadas à construção artística, seja ela representada na prosa, na
poesia, na ciência, na literatura em geral. Afinal, a língua é a alegria dos
seres humanos. Nesta AAL repousa a poesia do desejo, a melancolia dos gritos
premidos, o advento das estações, a exaltação do fino mistério soprado, quem
sabe, pelo próprio Deus.
E,
finalmente, como mulher, escritora,
cientista, poeta, professora, pesquisadora,
digo que a coragem é a força que me guia. É a virtude que me permite,
com firmeza, afrontar os perigos e suportar os trabalhos na lição de Cícero e,
assim, me contrapor ao “cauteloso pouco a pouco” registrado no verso de Mario
de Andrade [Eu me esqueço o tempo todo e pouco a. Pouco eu sinto
outro em meu lugar.]. Esta Academia é a maior casa de cultura que possui o
Estado do Acre, vamos, pois, cultivá-la e ouvi-la traduzir a vida que o Acre
deixará para as gerações futuras. Aqui estamos nós, nesta noite, uma amostra
fiel da inteligência acreana, tão variada como ela mesma em sua história. Viva
os 80 anos da AAL. Muito Obrigada!